Capítulo 5

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Ronan acordou com os gritos.

Abriu o olho em um sobressalto, ofegante como se tivesse acabado de emergir de uma piscina após muito tempo sem respirar. A porta de vidro da sacada do quarto estava aberta, com o vento forte e frio da noite balançando suas cortinas e causando arrepios ao encostarem na pele desnuda.

Ronan sentou na cama, esperando o coração desacelerar e a respiração normalizar enquanto voltava para a realidade aos poucos. Cruzou os braços sobre o peito, tentando se proteger de forma quase inútil contra a ventania que abaixava a temperatura. Provavelmente era o começo de uma tempestade que aconteceria naquela noite.

Suas orelhas zumbiam como se os gritos não fossem apenas criação do seu subconsciente. Ronan abaixou o rosto para encarar as mãos trêmulas no escuro, encontrando marcas negras familiares sobre a pele dos dedos longos e magros, como os de um esqueleto.

Não foi um sonho? Foi... uma memória?

Se foi uma memória, Ronan já sabia exatamente o que aconteceu. Com os anos de terapia, conseguiu aceitar facilmente a perda de boa parte das memórias, mas haviam duas que nunca o deixariam, não importava o que fizesse. Ou, pelo menos, era o que acreditava. Levou uma das mãos ao espaço em que teria um olho, sem o tapa-olho naquele momento, e seus dedos pararam de tremer.

O dia - ou noite, ele não sabia a distinção naquela época - em que retiraram um dos seus olhos. Ele não se lembrava de atos, de momentos específicos e outros detalhes, mas se lembrava da dor, se lembrava da anestesia não ter sido o suficiente, do seu desespero, dos seus gritos se misturando com os dos adultos presentes no laboratório e os de outras crianças.

Essa parte era sempre a mais nebulosa. Ronan não sabia dizer se realmente conheceu outras cobaias lá ou se eram apenas figuras da sua imaginação. Quando a Vila que fazia testes com semideuses foi descoberta, Ronan foi o único resgatado. Portanto, sempre acreditou que era o único sobrevivente - ou a única vítima.

Mas os gritos que ressoaram pela cabeça, tão fortes a ponto de o assustar para que acabasse acordando, esses gritos não eram seus, não da forma que chamavam o seu nome. Eram de outra pessoa, e mais parecia uma vítima como ele do que um dos algozes por conta do medo e da raiva que carregavam.

Também deveriam ser gritos de uma criança.

Ronan suspirou profundamente, apoiando o rosto sobre a mão.

Poderia ser apenas um sonho, ou poderia ser a realidade finalmente retornando para ele como a gravidade na missão de puxá-lo para baixo. Em alguns momentos não sabia separar os dois, fantasia e realidade, e essa era a parte mais frustrante, mesmo que soubesse que era um mecanismo de defesa desenvolvido por sua mente para deixá-lo seguro e conseguir continuar vivendo após todos os traumas.

Deu um pulo quando ouviu o celular tocando e vibrando alto no criado mudo ao lado da cama, quase de forma agressiva como se irritado por ser ignorado até então. Ronan se inclinou sobre a cama para pegar o celular novo, colocando-o no ouvido em vez de checar a tela primeiro.

- Você esqueceu, não esqueceu?

Foi a primeira coisa que ouviu do outro lado da linha.

- Err... James? - Ronan começou a suar ao reconhecer a voz dela, irritada mais uma vez. James bufou.

- Hoje é sexta-feira, Ronan! - James exclamou, agitada demais para esconder os sentimentos. Pelo menos não era difícil saber o que ele havia feito de errado para ela toda vez que acontecia. - Você prometeu que ia jantar em casa pelo menos duas vezes no mês, e isso era 'pra ser hoje.

Ronan deu um tapa no próprio rosto.

James bufou de novo ao ouvir o som.

Sim, ele tinha esquecido. Voltou tão derrotado do trabalho que simplesmente tirou as roupas e se jogou na cama, dormindo até agora. Tirou o celular do ouvido para poder ver o horário: Já eram dez horas da noite.

Blue/Red Black [BL] (✔)Where stories live. Discover now