Capítulo 8

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Em palavras em minha mente nunca estiveram tão confusas. O estado em que a cidade se encontrava, o pavor nos olhos das pessoas, as coisas que eu havia ouvido e feito. Passei a viagem inteira ruminando cada uma desses detalhes, buscando encontrar uma lógica em tudo isso sem que uma única palavra saísse de minha boca.

Eu quase podia sentir o olhar de todos no caminhão sobre mim, todos subterrados no silêncio que nos cercava. Talvez estivessem tão confusos quanto eu.

Ao chegarmos, percebi que já não sabia como chamar aquele lugar. Um cárcere, um refúgio? Balancei a cabeça em negativa, ao passo sair sem rumo em busca de alguém que tivesse respostas.

— O que pensa que está fazendo? — Otávio questionou, puxando meu braço, fazendo com que uma dor terrível se espalhasse por meu corpo.

Um tiro, eu havia levado um tiro e mesmo que isso não tivesse me impedido de carregar aquela menina, agora que meu sangue havia esfriado, a dor parecia ainda pior do que eu senti em meio a correria.

— Ele está machucado! — Beatriz explicou para um rapaz que correu em nossa direção. — Fizemos o possível para estancar o ferimento assim que entramos no caminhão, mas ele perdeu sangue e...

— Onde ele está? — perguntei, sem me importar com as pessoas em minha volta.

— Ele? — o rapaz respondeu.

— O cara com rabo de cavalo.

— Miguel? — Beatriz disse e logo Otávio me perguntou sobre o que eu queria com ele.

— Tenho perguntas.

— Precisamos cuidar do seu ferimento primeiro. Eu te levo até ele depois — Beatriz respondeu e por mais que a imagem de sua traição estivesse nítida em minha mente, aquela parte de mim, aquele que agiu mais cedo em busca da liberdade para aquelas pessoas, me disse para acreditar nela.

Ou podia ser apenas todo o sangue que perdi.

Fui levado até a enfermaria improvisada em um corredor, com algumas macas e cadeiras, além das duas e três salas preparadas para casos mais graves, como a em que Danitria estava.

Miguel estava ali, com um garotinho que ria alto, enquanto ele contava algum tipo de piada. Ao me aproximar, vi que era Jack e que Miguel estava fazendo um pequeno curativo na testa dele.

— O que você aprontou? — Otávio perguntou, parecendo preocupado ao segurando o rosto do menino entre as mãos e verificando quão grave havia sido o machucado.

— Bati com a cabeça — o garoto respondeu com um sorriso.

— Já vejo.

— Sr. Miguel — comecei a dizer, chamando atenção do menino, que encolheu os ombros ou me ver. — Eu gostaria de conversar com o senhor em particular.

— Você está sangrando — disse Jack, olhando para a mancha no casaco.

— Olá, Jack — respondi, sem saber como reagir diante daquela vitima das minhas ações impulsivas.

— Tira o casaco — Miguel mandou. — Deixa eu cuidar desse ferimento.

— Ele é médico — Jack explicou, parecendo um pouco animado demais para quem devia está com medo ou raiva de seu suposto agressor. Talvez fosse a sensação de ver um ferimento em uma outra pessoa sendo tratado. Felipe era assim quando criança. Um pouco carniceiro na minha opinião.

Sem questionar Miguel, tirei o casaco e a blusa, sentando na mesma maca que o menino, de uma forma que ele pudesse ver o que Miguel estava por fazer, que logo mudou de posição para conseguir uma boa visão do que estava para acontecer. Otávio tentou tirá-lo dali, claro, sem sucesso.

Jogos da Ascensão II - As Garras de EtamaWhere stories live. Discover now