Inconstância

8

Aviso de gatilho: um personagem tem uma crise de ansiedade neste capítulo.
Brianna

Seis horas de sono nas últimas quarenta e oito horas. Olho para os meus alunos com nada além de exaustão. Duas horas essa noite porque fui pra casa depois de duas semanas dormindo na casa do Harvey, e acordei com uma vizinha berrando a plenos pulmões por ajuda. Eu e o meu vizinho de andar fomos correndo ver o que era e era um camundongo. Nem mesmo um rato, um camundongo da estudante de psicologia do andar de cima. Devolvi o bichinho à dona e fui para casa, mas a adrenalina estava tão alta em mim que nem o cansaço esmagador conseguiu vencer. Levantei às seis e são nove agora. Saio em vinte minutos para a entrevista do Harvey com os jornalistas e, ainda bem, eu não tenho aulas para dar depois do intervalo, que começa daqui vinte minutos. Posso corrigir as atividades no carro voltando de lá.

Respondo as dúvidas, dou adesivos para as crianças por serem alunos tão bons e pego meu pagamento com a diretora na saída. Coloco o dinheiro na bolsa e vou para o carro. Paro pra abastecer e o Harvey manda uma mensagem.

"Você está atrasada."

"E o céu é azul. Agora me conte uma novidade."

Jogo o celular no console e sigo meu caminho para o centro de treinamento. Ele está na sala de entrevistas já, então só caminho até lá e nem tento passar o mar de jornalistas querendo fazer perguntas. Fico ali, na porta mesmo, só escutando as respostas dele. Não sei se ele me viu, provavelmente não, tem muita gente na minha frente, por isso mando uma mensagem para ele, que desvia o olhar para a notificação no celular enquanto pausa para beber água. Os olhos dele me encontram. Aceno com a cabeça, e ele reajusta o microfone para responder a pergunta, voltando a olhar para o jornalista.

Uma notificação pisca no meu celular. Cheryl. Cheryl? Bem, ela é minha irmã e tudo mais, mas não somos de ficar conversando muito, devido a... a tudo que vivemos. É mais seguro não ter contato umas com as outras, por isso desbloqueio o celular imediatamente, leio a mensagem e releio.

E releio mais uma vez. E mais outra. Até as palavras entrarem na minha memória como uma queimadura. Como palavras que há anos escutei pela última vez, que há anos não me atingem tanto.

"A Julia foi atacada em Boston. Está mal, no hospital. Precisa de sangue. Estou com medo, Bri."

Estou com medo, Bri. Estou com medo de nunca me recuperar disso. Com medo de não conseguir... o que vou fazer, Bri? O que vou fazer? As palavras estão vivas na minha mente. O pesadelo nunca saiu dela, o pesadelo de tantos anos atrás, a voz da Cheryl na minha cabeça, e sinto o sangue em mim de novo. Releio a mensagem mais uma vez, e meu Deus, dói tanto. Sinto minha pulsação em todo o meu corpo. Escuto a risada do Harvey para alguma pergunta, e tento me segurar na cadeira à minha frente, tento voltar para o agora. Sangue ou suor molhando a minha blusa? Tento não me deixar despedaçar, tento sair da sala e respirar um pouco, mas novas palavras estão marcadas na minha cabeça.

"Ela está mal, no hospital."

"O que vou fazer, Bri?"

Tento sair da minha cabeça, mas não consigo passar pelas pessoas na sala. Preciso respirar. Preciso de ar. Não consigo sair e esqueço como respirar, e não demora nada para o meu corpo entrar em ação e me desligar, e desmaio no chão, abraçando o desligamento como uma boia salva-vidas.

Harvey

Não sou muito fã de entrevistas, mas a Brianna me incentiva a fazê-las porque, segundo ela, é melhor terem respostas da minha boca que alguém inventar algo e eu não ter nenhuma palavra de prova para rebater o que for. Tenho que concordar com ela, e por isso sento ali e respondo as dúvidas todas sobre a próxima temporada. Meu pai me manda uma mensagem confusa sobre "cuidar dela hoje", mas não abro para ver o que é, porque a Brianna finalmente chega e sinto tanto alívio por ter alguém para quem repassar as perguntas, se necessário. Não sei se ela entende meu meneio de cabeça como um reconhecimento da presença dela, porque, como de costume, ela se mistura à escuridão no fundo da sala.