Prólogo

1.6K 176 65
                                    

E as luzes todas se apagaram em Massachussets,
Elas me trouxeram de volta para seguir o meu caminho ao seu lado.
(Massachussets - Bee Gees)

Brianna

Encontro o gato da vizinha dormindo no meu lustre. Depois de passar um dia inteiro aplicando provas para um monte de crianças, o que menos preciso é desse demônio de bigodes na minha casa. Não, eu não odeio ele, é o contrário. Ele me odeia e faz questão de deixar isso claro.

— Qual é, Charles, você acha que estou com ânimo de brigar com você? Com tantos pais querendo saber por que as notas dos filhos não foram lançadas ainda, mais de duzentas provas para corrigir, e três, isso mesmo, três crianças na detenção, você acha que as minhas energias serão gastas brigando com você?

Largo as chaves do carro na bancada, passando por baixo dele, que grita pra mim. Não, não é um miado. É um grito. Olho feio para ele quando chego na cozinha, e vejo uma correspondência rasgada.

— Charles, se você rasgou o que estou pensando que rasgou...

Sim, ele rasgou a resposta da entrevista de emprego que fiz outro dia. O "você foi aceita" aparece bem, mas as informações restantes estão em pedacinhos. Se ele me odeia tanto, por que quer que eu fique? Um segundo emprego é o que falta para eu estar ocupada o suficiente para ficar longe a maior parte do tempo.

— O que você quer de mim, hein? Quer que eu morra na sarjeta, sob o seu olhar felino? Que eu precise voltar para a casa da minha mãe para não morar aqui? Você não vai conseguir, Charles, porque eu vou para o inferno ardente antes de morar com ela novamente. Agora você sai daqui seu gato sujo, ou você nunca mais entra para roubar minha comida.

Miau. A minha resposta é a droga de um miau. Bendito o dia que resolvi morar em Boston! Pego o pote de cola escolar na minha bolsa, largo na mesa de centro, jogo todos os pedacinhos de papéis lá e vou buscar algo para comer enquanto colo essa porcaria. Macarrão mofado e uma lata de atum. Abro a lata e coloco em dois pratos, deixando o prato do Charles no lugar mais longe de mim. Colo pedacinho por pedacinho, vendo o gato safado se acomodar na minha poltrona destruída por ele depois de comer, enquanto me observa trabalhar.

"vey Doyle" é o que consigo obter antes de só ter baba de gato no resto. Pego meu telefone e busco quem é este empregador na lista de para quem enviei o meu currículo, e paro quando vejo o nome. Harvey Doyle, rebatedor da equipe do Boston Red Sox. Encaro o salário oferecido sem acreditar.

— Charles, eu vou me livrar de você! — pulo no sofá sob o olhar sem ânimo dele — Com este salário, eu poderei comprar uma casa minha dentro de poucos anos! Dá pra acreditar? Finalmente ficarei livre de bichos enxeridos e agressivos! Ficarei livre de você! Nunca mais vamos nos ver!

Ele mia, me dá as costas e se lambe. Feliz demais para ficar em casa, agarro o bicho de bigodes e vou até a casa da dona dele para devolvê-lo. Bato incessantemente lá, mas sequer escuto um som. Continuo batendo, e assim fico até o síndico subir de roupão e pantufas.

— Qual a emergência, Brianna? — ele pergunta, o sotaque neozelandês arrastado.

— Preciso devolver o Charles para a dona dele. Devo me mudar em breve e ele precisa saber onde mora de verdade.

Ele pisca devagar.

— A dona dele morreu há dois meses. Você estava em um daqueles dias loucos na escola, mas desde que briga com o gato toda noite, achei que soubesse.

— Não, senhor Kirkwan. Não essa vizinha. Essa é a do terceiro andar...

— Acredite em mim, Brianna, sei quem é. Fui com a polícia lá. Alguns moradores reclamaram de um cheiro estranho, os policiais disseram que provavelmente era isso. Que Deus a tenha.

Inconstância Kde žijí příběhy. Začni objevovat