Harvey

Quando você é famoso, acaba se acostumando com coisas que nunca imaginou antes. Ser parado para fotos, dar autógrafos, ser xingado em público, ser ovacionado em público, ter pessoas fazendo tudo por você de graça e com você pagando. Pagando, no meu caso, só pago a Brianna. E nunca esperei me acostumar a ter alguém ajeitando as minhas besteiras e me dizendo que não, você não vai àquela festa aos vinte e poucos anos. Embora ela não se assemelhe em nada à minha mãe, nem mesmo o modo como me diz não, é uma pessoa que me diz não. E com certa frequência.

E mesmo que ela me estresse com tantos nãos e com os hábitos nada saudáveis dela, não quero que ela fique mal. E isso é algo que não me acostumei, algo que ela não me preparou para enfrentar: ver ela, a garota rabugenta que acorda cedo demais, mal. E dormindo no meu colo. Acho que este é o maior sinal de como ela não está bem, a Brianna tem uma rotina de sono de merda, e mesmo assim nunca dorme durante o dia. Parece que ela evita dormir, por alguma razão pouco saudável que eu desconheço. Mas aqui está ela, dormindo. Ela consegue dormir por duas horas, e eu não me mexo por essas duas horas, porque jamais atrapalharia o sono dela. Cada minuto é sagrado.

Como ela está dormindo, não sei o que fazer para ajudar. Não sei o que está sentindo, como isso faz ela reagir. E quando ela acorda, levanta em silêncio e decide caminhar um pouco. Faço o mesmo, mas vou até o banheiro e, quando volto, ela está entrando na sala do delegado. Quase sigo ela, mas a porta se fecha antes que eu possa me mover. Tá bom então.

A porra de um vídeo adulto. Como alguém pode ter coragem de ameaçar outra pessoa com um vídeo destes está além da minha compreensão. A cara dela enquanto explicava, a desesperança da Brianna mais jovem que estava desesperada o bastante para fazer o que desse na voz quando chegou ao final, isso não deveria existir nela. Merda, ela não é a pessoa mais feliz e animada do mundo, mas nunca vi ela assim. Se a esperança é o que move o ser humano, a desesperança é um lago congelado em gelo fino, prestes a engolir tudo que consegue. Quando finamente ela sai, acho que vê a expectativa no meu rosto e dá o menor sorrisinho que já vi na vida.

— Está resolvido por hora, mas acho que precisarei ir até Atlanta para ver algumas coisas com o meu advogado. Se você não se importar, é claro. A Julia viria pra cá, mas não foi necessário, só que eu preciso ver ele.

— Advogado? Não é a Julia sua advogada?

— A Julia é criminalista, não pretendo precisar dela de n... não pretendo precisar do que ela faz, porque isso significaria que algo aconteceu. Ela poderia tentar me ajudar, mas o sócio dela pegou o caso. Ele é da área trabalhista, e como é um contrato que assinei para trabalhar, faz sentido ele me ajudar.

Faz sentido. Me sinto mais calmo sabendo que ela tem não um, mas dois advogados cuidando dela.

— O que está resolvido exatamente? Você pode compartilhar?

— O Pierre, meu advogado, enviou para eles um... não sei o nome legal, mas tipo um aviso. Se eles divulgarem, ele terá que tomar as medidas cabíveis, que ele informou que pode gerar um prejuízo grande a eles. Enfim, não tenho o que fazer até ele me dizer qual é o próximo passo.

Inclino a cabeça para ela enquanto vamos para fora. Fofinha ela, pensando que não tem o que fazer.

— Não tem o que fazer? Temos que comer, aí no início da tarde você tem que me levar para a academia, onde fingirá não estar olhando para a minha bunda, e depois me levar no médico para os exames, e aí iremos para casa, onde teremos uma noite assistindo uma série muito boa que descobri enquanto estava criando câimbra nas pernas naquela cadeira, e então dormiremos. — brinco.

Inconstância Where stories live. Discover now