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"Ainda estou sentindo falta de você,
Eu sei que não tem jeito, não tem nada a ver,
Eu tenho simplesmente que seguir a minha estrada."
(Um Degrau Na Escada - Chico Rey & Paraná)

Harvey

Dormir é um luxo. Um que, quando estou trabalhando no hospital, na situação calamitosa em que estamos, nem penso muito sobre, mas em momentos como este agora, que paro um pouco para comer, percebo que é um luxo, e que não dou o valor que o sono merece. Não dormir me dá muito tempo para pensar, então penso em todas as coisas que eu não queria pensar. Como na despedida da Seraphine ou naquela postagem que a Bria... não. Não vou pensar nela. É estranho como perder duas pessoas no mesmo dia, de maneiras diferentes, pode doer da mesma forma, e mesmo mentindo para mim e para as pessoas que está tudo bem, não está. Nem para casa consegui voltar porque sei que tem coisas dela lá ainda, e se eu ver, vou pensar nela e no quanto doeu ver que ela expôs a minha irmã, e justamente quando ela estava indo embora. Prefiro não pensar que foi planejado, mas como não... merda, tenho que parar de pensar nela.

— Harvey? — minha madrasta chama, entrando no quarto de descanso. — Você não dormiu ainda?

— Não. Como foi o parto?

A Sloane é a principal obstetra do hospital, e bebês continuam nascendo com a mesma frequência de sempre, pandemia ou não, então os horários dela estão mais normalizados, porque para ela sempre foi caótico.

— Foi bem. Um novo menininho está iluminando o mundo hoje. As duas mães estão em êxtase. Sem complicações por ter nascido uma semana antes, apenas um grande susto.

— Que bom. Precisamos de felicidade em meio a tudo isso.

Ela senta na cama dela, do outro lado do quarto, muito mais longe de onde normalmente ficava.

— Você não está feliz há um tempo já. Seu pai me contou o que aconteceu, mas quero saber de você.

Meu pai. Meu pai que eu mal vejo, apesar de estarmos a metros de distância um do outro, porque esse caos está atingindo diretamente a área dele. Faz muito tempo que não passo tanto tempo sem ver ele, desde a pandemia de gripe há alguns anos, mas na época eu era um pirralho que ficou em casa feliz pelas aulas terem voltado uns dias depois do previsto, enquanto ele trabalhava. Agora estamos no mesmo prédio, e mesmo que eu saiba que está muito ocupado, não consigo afastar o sentimento de que há mais que isso.

— Estou levando. — respondo o que ela perguntou.

— A pergunta foi sobre o que aconteceu, não sobre como você está. Posso ver que está miserável.

— Eu gostava de uma garota que trabalhava pra mim, mas ela fez uma postagem horrível e sem escrúpulos fazendo indireta à Seraphine e expondo ela algumas horas antes de tudo acontecer, e tive que mandar ela embora, porque eu não poderia olhar na cara dela por mais um segundo sabendo que escreveu aquilo naquele momento. E por alguma razão, isso está doendo tanto quanto perder a Seraphine. Vou ficar bem, eventualmente.

— Entendo.

— É só que dói, sabe? Ela era a maior e melhor parte do meu dia a dia e agora não está em lugar nenhum mais. É como se eu procurasse ela mesmo sabendo o que fez, como se eu sentisse vontade de chamar o nome dela, Brianna, só pra matar a saudade de dizer. — faço uma pausa breve, mas consigo ver a compreensão dela virar confusão, mas continuo. — É a primeira vez que digo o nome dela desde que foi embora.

Inconstância Where stories live. Discover now