Harvey

Minha irmã mais nova estava bem em um instante e no outro estava agonizando de dor no chão. Minha mãe, apesar de ser enfermeira e estar acostumada com episódios como este, entrou em pânico, e um vizinho chamou a emergência para as duas, e um paramédico me ligou para pedir que eu fosse até elas. Cheguei e encontrei a minha irmã tranquila e medicada e a minha mãe tranquila e meditando. Ela abriu um olho ao me ouvir entrar, nós conversamos sobre como ela estava, depois como a Seraphine estava, e aí o horário de visita acabou, mas eu não queria deixar as duas ali, só que a minha mãe esfregou o peito preocupada e disse.

— É melhor se você for para casa, Harvey. Nós estamos bem aqui.

E então eu voltei para casa. E ao abrir a porta, percebi o silêncio. Um silêncio que não deveria estar aqui, considerando o quão barulhenta a minha assistente é. Se ela não está digitando no computador, está falando no telefone, se não está no telefone, está no banho, cozinhando, cantando ou assistindo alguma coisa na televisão. Só que não há nada aqui agora.

— Brianna? — chamo para ter certeza.

Nenhum som. Desço até a portaria para perguntar ao porteiro se ela passou por aqui, mas ele diz que a última hora que viu ela foi de manhã ainda. Ligo para ela e nada. Porra. Eu passei onde deixei ela vindo para cá e não estava lá - e nem tinha por que estar, não tem nada naquele lugar.

Talvez tenha ficado irritada comigo por eu ter ficado fora o dia inteiro? O trabalho dela é me manter ocupado com compromissos, basicamente, e eu não fui a nenhum hoje. Mas a Brianna não é assim. Fica com raiva se eu como o último pedaço de algum doce dela, sim, mas entende quando a vida entra na frente do que eu deveria fazer. Não entende? Tento ligar para ela, só que o celular descarrega no meio da tentativa, então decido parar de me preocupar tanto e tomar um banho. Saio do banho, conecto o celular no carregador e tenho uma mensagem dela, de vinte minutos atrás.

"Doutor, tive hipoxemia e cianose hoje. Exercício físico, caminhei um pouco mais do que deveria. Estou bem, só um pouco confusa, mas fora isso bem. Usei o remédio, estou respirando melhor agora, tive que fazer alguns exercícios e dormi a tarde inteira, estou recuperada. Te avisando só para você não dizer que não te falo nada."

Huh, ela achou que estava mandando mensagem para o médico dela. Um pouco confusa, ela disse. Respondo ela.

"Sou médico, mas não o seu médico, senhorita Um Pouco Confusa. Onde você caminhou tanto assim? Achei que ia para casa? Obs. É o Harvey, caso você precise dessa informação explícita."

"O nome de vocês começa com a mesma letra, e como estou um pouco confusa, acontece. Me perdi tentando voltar para casa."

Eh.

"E como isso te fez ter problemas com oxigênio? Houve alguma coisa no caminho além da mudança de rota, o motorista fez alguma coisa com você?" Sinto raiva com o simples pensamento de alguém segurando o pescoço dela para machucar. Mas nada me prepara para a resposta a seguir.

"Não teve motorista."

"Como não teve? Você foi andando?" Brinco. Quando ela não responde, eu insisto. "Brianna? Você chamou um carro, não é?"

"Depois de ter andado por duas horas tentando seguir o mapa do celular. O tempo está seco. Está quente. Muitas coisas juntas e tudo mais."

Ela andou por... caralho. Caralho. Como é possível sentir tanta raiva de uma pessoa e querer trazer para casa e cuidar ao mesmo tempo, porra? Ela sabe do que há nos pulmões dela melhor que qualquer um, tosse a noite toda no outono e no inverno, sofre na primavera e nem no verão fica bem, e não é preciso fazer uma ausculta para perceber a saúde precária dos pulmões dela. E você foi quem mandou ela sair do carro, meu cérebro me lembra. Se eu já não me sentisse terrível o bastante...

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