Harvey

Depois da revelação da Brianna, comecei a perceber alguns padrões na rotina dela. Ela almoça todo dia pontualmente meio-dia e meia, se não consegue colocar a comida nessa hora exata, ela pula a refeição. Quando estamos em uma reunião à noite e qualquer participante diz que está com sono, ela fica agitada para terminar mais rápido e liberar a pessoa o quanto antes. E o mais visível, ela muda a cor do cabelo quinzenalmente, e hoje, quando entro na cozinha, levo um susto quando encontro ela ruiva lá.

— Jesus, Maria, José e as ovelhas, Brianna, que susto! Achei que fosse aquela mulher que me perseguiu até o centro de treinamento há uns meses.

— Sabia que já tinha visto essa cor antes! Foi errado, era para ter ficado mais claro, mas esqueci que não estava na cor natural e não consegui descolorir direito, então ficou assim. Planejo fazer alguma coisa sobre isso em breve.

Pensar que ela é loira ainda é estranho. Loiro é das poucas cores que não vi ela usando ainda.

— Já que você está aqui e já está pronta para irmos onde quer que seja, preciso que me ajude com um cálculo. É para a compra de um produto do hospital, meu pai mandou para mim para que eu revisasse, mas meu cérebro desistiu de entender os números no meio da terceira hora de análise, não sou eu quem faz isso, mas o cara que faz teve um problema de saúde. Consigo fazer, só que não dormi direito.

— Quem está madrugando agora? — ela provoca, e o meu olhar é o bastante para ela pegar o papel da minha mão e analisar em silêncio. — É interessante como o desuso de algumas áreas faz com que esqueçamos o básico. Não me leve a mal, você é um ótimo jogador e deve ser um médico muito bom também, é que deve ter visto essa matéria há muitos anos já. Este número está elevado a este.

— Sim, e? Eu multipliquei.

— Se ele está elevado a este, você tem que multiplicar ele por ele mesmo, não pelo outro. Dois elevado a três, por exemplo,  é oito, porque é dois vezes dois, que dá quatro, vezes dois, que dá oito. A potência é o número de vezes que este algarismo é multiplicado, não o multiplicador. Entendeu? — ela aponta cada coisa no papel, e aí eu lembro como é.

— Acho que isso resolve o problema. Obrigado. Para onde vamos hoje?

— Lugar nenhum. A roupa é para algo depois do trabalho.

— Mas ainda é manhã. — olho o relógio no meu braço para ter certeza.

— Não conseguirei voltar para casa e ir, então já vim vestida.

Dou uma boa olhada na roupa dela, sentindo algo dentro de mim se remexer. É uma blusa simples e uma saia florida, nunca vi ela usando nada assim.

— Deve ser alguém bem especial se você colocou algo além de calças jeans, eh? O máximo que as reuniões importantes a que vamos conseguem são uma calça social ao invés do usual jeans.

— Ownt, você está com ciúmes! — ela exclama. — Fica tranquilo, não é ninguém que me fará uma proposta que me tirará daqui. É só alguém. Estarei aqui no mesmo horário de sempre amanhã, prometo.

Não adianta dizer que não estou com ciúmes, ela senta no computador e coloca os fones de ouvido. Resmungo. Ciúmes. Só não quero que ninguém roube a minha funcionária, só isso. Além do mais, tenho namorada. Uma namorada que vive terminando comigo, mas ainda assim, uma namorada. E já que a Brianna está de compromisso hoje, também arranjo um, com ela, já que ela está me mandando mensagens querendo me encontrar. Não sei se estou afim de continuar nessa gangorra que é este relacionamento com a Nara, mas qualquer decisão eu preciso me encontrar com ela para saber, então junto o útil ao prático e pergunto a ela quando podemos nos ver, porque precisamos ter uma conversa importante.

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