Brianna

Às vezes quando você acorda de manhã, já consegue pressentir a merda que o dia será, e sente vontade de ficar na cama o dia inteiro. Esta é uma dessas manhãs. Não preciso nem abrir os olhos para sentir que algo não está certo. Grunho e tento voltar a dormir, mas só estou tentando me enganar. Faz alguns anos desde que acordar a essa hora é algo definitivo no meu dia a dia. Estar acordada, felizmente, não quer dizer que preciso levantar. São três e quinze da manhã, afinal. Não preciso nem olhar o relógio para saber a hora, é sempre este horário, todos os dias exceto quando estou medicada ou ainda não fui dormir. Se eu fechar os olhos, consigo ver este horário no relógio cravado na minha memória. Mas não fecho, porque voltar para qualquer lembrança daquele dia em Washington é o contrário do que eu devo fazer.

Não que eu consiga lembrar de muita coisa além do relógio. O meu medo é me deixar pensar e lembrar. Por isso, todos os dias eu abro os olhos e levanto para não pensar. Pego o celular e leio algumas mensagens, aí abro o e-mail. Estando o meu e-mail pessoal misturado com o profissional nesta caixa de entrada, pisco algumas vezes ao ver o assunto de um deles.

"Sobre a divulgação do seu vídeo"

Eh. O Harvey fez alguma campanha em vídeo recentemente? Não consigo me lembrar de nada. Marco para ler depois, mas algo me incomoda e abro de uma vez. Leio o conteúdo. Sento na cama, jogando a coberta e um travesseiro no chão com o movimento brusco. Merda. Porra. Merda. O meu vídeo. O vídeo que eu fiz quando era jovem e burra e... bem, ainda sou jovem e burra, mas eu era mais. E desesperada. Porque foi esta característica em específico que me fez aceitar um convite me feito por um cara esquisito, afinal ele me ofereceu dinheiro e eu estava - ainda estou - atolada em débitos. E ele me prometeu muito dinheiro se eu aceitasse fazer um filme pra ele.

E eu aceitei, porque, como eu disse, burra. Não me preocupei em procurar saber o que ele queria de mim, não até eu ter assinado o contrato e pesquisar sobre o que era a empresa. Burra. Cheguei a pensar, ah, não pode ser tão ruim. E não teria sido ruim, não estivesse eu sendo filmada com o meu consentimento. E o problema de se fazer um filme adulto, não, um filme adulto dirigido por um pilantra, é que você pede pra cancelar o contrato e ele desaparece, mas volta com o vídeo em mãos. Porque no contrato estava "explícito que, uma vez que eu concordei, não poderia voltar atrás e tirar os lucros da empresa". Direitos de imagem pra quê, né?

Eu não quero envolver a Julia nisso, porque não é obrigação dela limpar toda bagunça que faço, mas porra, eles não estão facilitando para mim. Talvez eu não precise da Julia. Apenas se o xerife parar e me ouvir...

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— Xerife, eu juro que estou aqui por uma boa razão. — tento convencer o homem, mas ele não acredita em mim. Me viu na entrada e pediu que eu não ocupasse o tempo dele com as minhas guerrinhas com o Harvey. — Por favor, me escuta. Por favor.

Ele deve perceber que estou falando sério, porque para de se afastar e vira para mim.

— O que é uma boa razão? Porque você e o seu chefe não parecem nem saber o que "razão" é, Brianna.

— Tem alguém me ameaçando. Eu acordei e tinha um e-mail ameaçando divulgar... quando eu estava na faculdade, estava desesperada e precisando de dinheiro e vi este panfleto...

— Brianna. — ele diz cansado.

— Vou chegar a algum lugar, prometo. Este panfleto que prometia um bom pagamento para uma atriz. Nunca atuei, mas eu precisava do pagamento, então fui até o endereço. Resumindo a história, descobri que o trabalho era para um filme adulto, daquele tipo, mas duas coisas aconteceram. Eu já tinha assinado o contrato, erro de principiante, e precisava do dinheiro. Mas eu percebi que não queria aquilo, pedi pra parar, tudo parou, eu saí e pedi a recisão do contrato. Eles começaram a citar cláusulas, e há um tempo começaram a me ameaçar com a divulgação do que tinham. Aí hoje eu recebi um e-mail dizendo que vão divulgar se eu não pagar uma indenização por não cumprir o contrato. De contratos eu entendo, de leis nem tanto, então por favor, há alguma para me proteger aqui?

Inconstância Where stories live. Discover now