Capítulo VIII: As clérigas de Tyrnan

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Capítulo VIII

"As clérigas de Tyrnan"

Mulheres. Muitas mulheres.

Era difícil detalhar seus corpos, suas formas ou o que vestiam. Eram apenas silhuetas nebulosas geradas pela memória e, devido ao caráter cada vez mais falho desta com o decorrer do tempo, perdiam nitidez sempre que tornavam a ser visitadas. Havia tamanha profusão delas no recinto que seu pequeno ser, ainda que não mais o fosse em realidade, sentia-se aflito e apertado. Naquele instante em questão, porém, seu apuro não se dava propriamente devido à lotação da casa. A multidão o incomodava – mais do que pela falta de espaço, por dificultar sua busca.

Ele procurava algo ou alguém em meio àquele aglomerado de jovens sem rosto, e não conseguia encontrar. O mais intrigante era que o impulso movendo-o dentro daquela visão sabia bem do que se tratava. Sua mente, porém, não conseguia determinar o que era. E se achava logo ainda mais desesperado, inserido numa preocupante ambigüidade em que se sentia consternado tanto por não reaver o que buscava, quanto por não possuir a mais vaga idéia do que viria a ser.

Para piorar, logo todo o enevoado ambiente passou a tremer, como se atingido por um tremor ou abalo similar proveniente da natureza. Quando, sem saber a quem recorrer, ia abrir a boca para gritar, tudo se tornou luz... o indesejado clarão cegando-o...

Ao abrir os olhos, Beli Eddas sentiu sua vista doer, finalmente compreendendo a expressão lingüística que tanto já ouvira em hospedarias e tavernas continente a fora, sem imaginar como se manifestaria de forma física. Nunca desejou tanto que Northar se irritasse com os mortais e, voltando aos soturnos dias do Crepúsculo dos Deuses, removesse o astro dourado dos céus. O primeiro impulso de sua mente, quase por reflexo, foi tentar erguer os braços para tampar o rosto com as mãos, privando-o assim da repentina claridade. No entanto, assim que fez o primeiro esforço para mover as juntas, percebeu – para seu infortúnio – que doíam como se estivessem atravessadas por punhais. Gemeu, e até mesmo sua garganta latejou por conta do pequeno grunhido. Pelo pouco que podia observar de sua pele, erguendo ligeiramente o pescoço, estava pálido como cera. Suor escorria-lhe pelos poros como se ele fosse uma esponja, e a improvisada cama na qual fora deitado, do mesmo modo que suas roupas, encontrava-se ensopada. Uma maca, carregada por ambas as extremidades. Isso explicava o sacolejar que se refletira até mesmo em seu sonho.

- Bom dia, princesa do norte!

Com a cabeça inclinada sobre si num ângulo de cabeça para baixo em sua visão, Beli Eddas visualizou a última pessoa que desejava encarar no estado em que se encontrava, ainda mais sorrindo para si de maneira zombeteira. Seus olhos não estavam tão bons para identificarem os exatos contornos daquele rosto, mas as longas orelhas pontiagudas não deixavam enganar.

- Elfo maldito... – o jovem mago murmurou num tom de desgosto que, unido à fraqueza causada pela enfermidade, mal pôde ser ouvido.

- Poupe suas palavras amistosas, companheiro – Trent Dante não perdia o senso de humor, ainda que suas feições demonstrariam certa tensão se pudessem ser observadas pelo humano com mais detalhes. – Temos de chegar até Tyrnan antes do anoitecer, ou você vai perder um bocado de peso e introduzir carne crua ao seu cardápio assim que Rimya estiver no meio do céu!

Segundo os cálculos do grupo, eles tinham menos de doze horas até o momento fatal, já que há pouco Northar estivera pairando no centro do firmamento. O crescente calor da primavera e a marcha acelerada os fustigavam, mas ainda assim não diminuíam o passo. Para todos Beli Eddas era pouco mais que um desconhecido – ranzinza e fechado, ainda por cima – porém sentiam-se no dever de salvá-lo daquela praga. Tyrnan não estava tão longe, e além do mais havia o fato de que, quanto mais rápido vencessem aquela estrada, menos estariam expostos aos perigos que ela oferecia. Afinal, não queriam encontrar mais um bando de goblins ou um corvo macabro como aquele que, felizmente, aparentava não mais espreitá-los.

Heróis de Boreatia: A Perfídia de MackerTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon