Capítulo IX: Na calada da noite

1 0 0
                                    

Capítulo IX

"Na calada da noite"

Caleb ficara sem reação por alguns instantes diante da cena. Com o apagar do rápido clarão, o santuário foi inserido em trevas novamente, o rompante som do trovão ecoando ainda em seus ouvidos e confundindo ainda mais sua cabeça. Será que o que vira era mesmo verdade, ou apenas uma brincadeira de sua percepção durante a noite? Estaria dormindo ou acordado? Logo um outro raio, mais distante, tornou a iluminar o ambiente... e a presença de Kirinak ainda prostrada diante do altar, como uma estátua penitente, o fez crer estar bem desperto.

O druida pôde, desta vez, ater-se a certo detalhe: pendia do pescoço da jovem um pingente que, ainda que não pudesse ter seu material identificado, possuía claramente o formato de uma espada cuja lâmina se encontrava voltada para o solo. Não havia dúvida: a impetuosa garota era devota do deus caído Swordanimus.

O silencioso observador não sabia bem como reagir. Talvez devesse se retirar despercebido e guardar aquele segredo para si, revelando-o depois ao resto do grupo ou confrontando Kirinak quando fosse oportuno. Porém, não sabia se algo que poderia botar a vida de si e os demais em risco deveria ser assimilado sem serem tomadas providências imediatas. Não era todo dia que se viajava em companhia de uma adoradora do Senhor da Espada, afinal, que tanta desgraça trouxera ao mundo.

Ainda incerto sobre como proceder, Rosengard permaneceu de pé junto à entrada, encarando o vazio... quando sentiu algo resvalar em suas pernas. Pêlos. Novo clarão, e viu Anuk adentrando a sala, já a alguns passos à sua frente. Desobedecera seu comando e agora avançava devagar na direção da clériga, pé ante pé, como se estivesse acuado.

Caleb viu-se aturdido. Tentou concentrar-se para chamar o amigo animal de volta até si sem o uso de palavras, porém era tarde: visivelmente atordoado diante do altar e da suplicante, o lobo emitiu angustiante uivo, fazendo Kirinak saltar de susto e cair sentada sobre o chão. Um outro raio tornou a clarear o recinto, permitindo à moça visualizar o druida e a fera. Não se levantou do solo. Permaneceu com as mãos nele apoiadas fitando uma parede, corpo aparentemente trêmulo.

Vendo que não havia mais como esconder, Rosengard fez-se ouvir:

- Então era isso que tentava ocultar de nós?

- E-eu...

A garota via-se claramente com dificuldades em se expressar. Apesar da constrangedora situação para ambos os lados, Caleb tentou ser de auxílio:

- Não se preocupe em falar, seu ato já me fez entender.

- Você vai contar aos outros? – e o druida agradeceu aos deuses pela penumbra não permitir que enxergasse o semblante de desespero da jovem.

- Não. Ao menos não agora. Essa sua crença não nos causou ainda nenhum tipo de mal. Mas, caso venha a causar, terei de revelar tudo.

- E por que minha fé causaria mal? – a voz de Kirinak possuía inesperado tom de desafio.

Rosengard bufou. Ou aquela moça era muito ingênua – fosse por sua adoração cega ao deus, fosse por julgamento próprio – ou era bem dissimulada. Talvez um misto dos dois, ponderou, dado o pouco que sabiam a respeito dela. Ele não desejava conflito, mas então sua mente tornou a perturbá-lo com lembranças do sonho premonitório meses antes. A aura vermelha que provinha supostamente daquela mesma garota. Algo vil, maligno. Sim, pelo visto ela ainda lhes faria mal, estando de algum modo envolvida com a tragédia a se abater sobre a Floresta Negra. Macker, uma fiel de Swordanimus... aos poucos as fragmentadas peças do enigma começavam a fazer sentido juntas. Estremeceu. E, tentando ocultar seu temor, Caleb resolveu ser mais duro:

Heróis de Boreatia: A Perfídia de MackerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora