Prólogo

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Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois veremos face a face. (1 Cor 13, 13)

Quando tínhamos doze anos nos conhecemos.

Não que eu já não tivesse visto os cabelos ruivos de Amélia antes ou os olhos azuis intensos de Anika. Nós sempre estivemos juntas, mesmo sem estarmos.

Amélia foi a primeira a fazer aproximação. Andava de forma decidida e confiante, nada poderia abalá-la, e eu não sabia o quanto estava certa.

— Preciso das questões 102 a 117 do exercício de Biologia — disse ao aproximar-se da minha carteira.

Eu a fitei incrédula, sem acreditar no que meus ouvidos tinham ouvido. Amélia Torn, a garota mais inteligente da sala estava me pedindo a resposta das questões do exercício? O mundo estava prestes a desmoronar.

— Você é surda ou se faz? — tornou a falar me olhando de forma impaciente. Seus grandes olhos verdes rolavam enquanto torcia a boca. Tudo nela era grande; os olhos, boca, corpo, cabelos. Ela nunca tinha chegado tão perto.

— Por que quer a resposta? Tenho certeza que já as tem — respondi não me deixando vacilar pelo seu olhar superior. E olha que ela só tinha doze anos.

Bufou, soltando uma risada. Anos depois ela disse que riu porque tinha ficado sem resposta, ninguém havia lhe respondido assim tão na lata antes.

Me senti orgulhosa por ser a primeira.

— Quero conferir apenas. — Ponderei suas palavras ainda sem entender o real motivo que a fez sair do seu lugar no início da fila até a parte de trás, que era onde eu costumava sentar. A sala fingia não prestar atenção em nós duas, mas eu podia sentir o silêncio entre sussurros e vários pares de olhares sendo desviados vez ou outra.

— Tanto faz. — Peguei meu caderno e abri na matéria de Biologia. Lá estavam as questões 102 a 117 todas respondidas com meu garrancho que chamo de letra. — Só não sei se vai entender.

— Eu dou meu jeito. — Deu de ombros pegando o caderno e retornando para sua carteira.

Usava uma saia florida um pouco curta demais e uma blusa de botões jeans. Era muito descolada para sua idade, era muito inteligente para sua idade, era muito esperta para ser amiga daquelas acéfalas que lhe rondavam fingindo ser leais, quando na verdade só queriam uma fatia do bolo de sua popularidade.

E naquele instante, a observando comparar nossas respostas de forma concentrada e até um pouco cética, eu quis ser sua amiga.

— Por que confiou tão rápido nela? — Uma voz ao meu lado fez meu pensamento "amigas para sempre" se dissipar como fumaça ao vento.

Virei a cabeça e encarei Anika Suen me fitando com olhos tão azuis quanto os meus.

— Ela sabe ser convincente quando quer. — Sorri sendo retribuída logo em seguida.

— Anika. — Ela estendeu sua mão para mim. Seus dedos eram longos, assim como seu corpo. Ela tinha cabelos loiros que caiam escorridos por seu ombro e suas sobrancelhas grossas a faziam parecer bem mais velha.

— Amber. — Não precisávamos de apresentação. Cada um ali sabia o nome de cada um. Mas era algo como se tornar mais íntimas. E eu havia gostado daquilo.

No fim da aula, Amélia me devolveu meu caderno e me convidou para tomar um sorvete. Aceitei achando tudo aquilo muito bizarro. Anika se auto convidou.

— Amo sorvete. Nos encontramos aonde? — perguntou animada.

Amélia a fuzilou com o olhar e ao notar que não obteve o efeito que queria, relaxou a expressão.

— Na entrada da escola. Não se atrasem. — E virou-se seguindo até seu lugar.

— Você é muito cara de pau né?! — Anika deu de ombros, sorrindo de lado.

— Eu amo sorvete, e não podia perder a oportunidade de tomar um com companhias tão agradáveis. — Seu sorriso aumentou. Pessoa mais irônica que ela estava para nascer.

Estranho como a partir dali o destino foi moldando as coisas, a ponto de nos tornarmos melhores amigas: Amélia, Anika e eu.

Nunca mais nos desgrudamos. Sabe aquela expressão de "como unha e carne? ", éramos mais que isso. Éramos como irmãs.



SEGREDOS SUBMERSOS - REVISANDOWhere stories live. Discover now