Capítulo 7 | Inércia

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Minha mãe estava grávida de gêmeas univitelinas. Mas era uma gravidez de risco, então no parto houve complicações. Minha irmã nasceu morta e eu viva. Os médicos afirmam que foi por causa desse fato que adquiri o transtorno de dupla personalidade. Era como se eu dividisse meu corpo com a minha irmã, como se isso fosse a única forma de me desculpar por eu ter sobrevivido e ela não. Mas não me sentia culpada, nunca me senti. Então acredito que mesmo que ela tivesse sobrevivido eu nasceria com essa falha no cérebro.

— Me conte sobre a crise de ontem.

— Me senti presa dentro de mim mesma. Como se eu fosse enclausurada dentro de uma casca, grossa e inquebrável, pelo menos no início - não consigo sair -, mas não me canso de tentar. Então tudo vai se enfraquecendo e eu consigo fugir. Só que aí não me lembro de nada, é como se parte da minha vida fosse apagada. E eu nunca consigo me lembrar.

— Nas outras vezes foram assim também? – A voz da psicóloga era suave e controlada. Ela não tinha pressa e isso me deixava a vontade.

— Não sempre. Eu me lembrava de algumas coisas, estava lá, mas não participava. Era como estar do outro lado de uma parede de vidro.

Ela assentiu me fitando de forma pensativa. Eu estava sentada em uma de suas duas poltronas vermelhas e confortáveis. Ela estava na outra, a minha frente, usava óculos quadrado de grau e saltos vermelhos. Sua aparência mais nova me deixava intrigada quanto a sua idade.

— O que sente depois?

Suspirei tentando pôr em palavras todas as sensações. Sabia que me abrir com essa psicóloga não iria me curar, fazer com que esse transtorno de personalidade passasse, mas podia me ajudar a lidar com isso. Novamente.

— Uma sensação de liberdade, como ter as algemas soltas das mãos e pés. E também a sensação de total controle. – Explanar em voz alta minha atual situação me deixou um pouco apavorada. – Os remédios podem me ajudar?

Ela juntou as duas mãos sob o queixo e sua expressão tornou-se pensativa, como se tentasse entender. Me entender. Juntar todos os quebra-cabeças.

Senti meu celular vibrar no bolso da calça, mas não me mexi para pegá-lo, seria falta de educação, seja quem fosse, teria que esperar.

— Você deveria passar pela a análise de um psiquiatra novamente, já faz muito tempo que realizou seu tratamento, creio que esse é o momento de voltar com ele. – Suas palavras me atingiram como flechas.

Tratamento? Psiquiatra? Não sei se aguentaria tudo de novo. E ainda pairava sobre mim a chance de ser internada. Nunca tinha sido, mas cheguei bem perto.

— Amber, tudo vai dar certo, não se preocupe. – Ela disse notando minha expressão atordoada.

— Obrigada. – Foi tudo que consegui responder, sentia como se uma grande tempestade estivesse chegando e eu estava parada no lugar, sem saber o que fazer, para onde fugir.

— Vou falar com sua mãe para marcar o psiquiatra. Nos vemos na próxima terça. – Ela levantou-se indo até sua mesa, onde marcou minha próxima sessão em sua agenda.

Levantei também, me sentia um peso morto, assim como o elefante de ferro sobre a mesinha que separava as poltronas em sua sala. Talvez até mais pesada que ele.

— Até. – Disse indo até a porta.

Lá fora tudo parecia como antes, como se eu não tivesse recebido a notícia que iria começar um novo tratamento, mais remédios, mais terapias, mais de toda essa droga que não surtiu nenhum efeito antes. Pois caso tivesse surtido eu não estarei nesse barco pela segunda vez.

SEGREDOS SUBMERSOS - REVISANDOWhere stories live. Discover now