O Pardalzinho

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A mulher estacionou rente ao meio fio, a avenida movimentada

com carros que iam e vinha. Um homem a acompanhava, no banco

do carona. Abriram a porta e soltaram um cãozinho preto que,

confuso; não sabia o que se passava. O carro partiu e o pobre ficou

ali, no vai e vem infernal da avenida, sozinho e indefeso.

— Aquela vagabunda, a humanidade tem jeito mais não!

Dizia Fábio indignado depois de me contar por mais de três vezes

a mesma história.

— Sim amigo, eu sei bem como é essa sensação de revolta.

Deixei o assunto morrer, não gosto de falar de cães abandonados,

mas a cena do bichinho sozinho na avenida perigosa não me saia da

cabeça. Não é difícil procurar pessoas que possam ficar com o

bichinho ao invés de abandoná-los. Definitivamente não confio em

pessoas que judiam de animais. Gente assim deveria nascer seco, sem

ovários sem espermatozoides, quem não consegue zelar pela vida de

algo tão dependente com um cãozinho imagine como seria o

tratamento com um filho...

— Um Pardalzinho morto, tadinho! Deus o tenha!

Disse-me enquanto pedalava sua bicicleta e equilibrava o celular

com uma das mãos.

— Deus cuide da alminha dele.

Respondi irônico, depois me senti mal por isso. Fábio sempre me

surpreende com esse coração mais bobo que de todo mundo que

conheço.

Pensei em lhe contar que ontem (quando voltei de Juiz de Fora

para São João del Rei), peguei carona com uns conhecidos do

Facebook, e que assim que entrei no carro notei que a viagem seria

longa... Uma passageira trazia uma cachorrinha no assento da frente.

— Você gosta de cachorrinhos?

Perguntou-me a moça de cabelos amarelados, virando-se para traz

para averiguar se a resposta sairia naturalmente ou com certa

dificuldade. Eu também sempre faço isso, de analisar a resposta de

alguém olhando diretamente nos olhos dela. Não titubeei em

responder;

— Adoro cães! Nisso a peluda saltou do colo da mulher e veio para

o assento traseiro e se acomodou no meu. Bonita e limpinha com um

lacinho ridículo preso numa mecha de pelos no alto da cabeça. Assim

veio a viagem inteira, dormindo aninhada no meu braço. Gostei do

bichinho, mas é estranho alguém deixar a responsabilidade de

carregar seu bichinho de estimação, eu não faria isso, principalmente

se fosse alguém que não conheço.

— Ela gostou de você. — disse o motorista magrelo de olhos muito

verdes — Quando ela percebe que alguém não gosta, de pirraça pula

no colo e assim fica. Fiquei em dúvida se esse era um comentário ou

uma afirmação por desconfiar que eu estivesse desconfortável com o

animalzinho lambendo meus dedos entre um cochilo e outro.

—... Tadinho do pardalzinho. — sou interrompido em minhas

recordações. — Você acha que no céu tem um paraíso dos

pardaizinhos? Porque se tem para a gente, tem também para os

bichinhos, né?

Interrompi antes que Fábio iniciasse mais uma de suas viagens.

Um domingo chuvoso com cara de finados; com um cãozinho

abandonado e um pardalzinho morto. É...

Não tem como ser um bom domingo...

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LUGAR COMUMWhere stories live. Discover now