1. ela procura

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1. ela procura

     Era noite, e eu corria em desespero. Eu não tinha realmente compreendido a gravidade da situação alguns dias antes, quando o meu namorado de um ano e meio tinha concordado em ir embora, deixando um aluguel inteiro para eu pagar quando até ali ele ajudava com quase tudo.

     E caminhando pelo campus, estava começando a acreditar nas últimas palavras que ele disse pra mim. Que no final eu ia pedir pra ele voltar, porque ninguém iria me aguentar como ele aguentava. Ou ninguém ia querer se candidatar. Eu tinha uma reputação, afinal.

     Estava quase acreditando nas suas palavras, e só não pedia para que ele voltasse pois sabia que ele não ia atender, não antes de uma semana passar. Ele nem me aceitaria de volta, só para ter o gosto de me fazer sofrer mais um pouco. Isso que acontece quando não se é uma pessoa dócil ou carinhosa que tem alguém que precisa de carinho do lado.

     Nada estava funcionando e talvez fosse o que eu esperava. Chegando na entrada do meu prédio na PucRS, me sentei ao lado do quadro de mensagens que eles tinham. Era daqueles antiquados, de madeira e que precisava de uma força extra nas tarrachas para segurar o papel. O meu papel com a oferta tinha as rabiolas destacadas, quase todas na verdade, e várias pessoas estavam esperando em volta da mesa do café conversando sobre quem era o proprietário que precisava tão urgentemente de alguém.

     No papel eu tinha escrito o bairro do apartamento, algumas informações gerais sobre mim e a data esperada para as entrevistas, dizendo especificamente o local que eu ia ficar.

     Quando eu puxei o banco de uma das mesas onde todos estavam reunidos, ajustando a minha bolsa na cadeira e tirando a folha de avaliação que todos eles teriam que preencher, metade deles deram risadas e saíram, amassando os pequenos papéis que tinham destacado. A outra metade me olhou com olhos arregalados, e admito que alguns engoliram seco ao perceber que quem eles estavam esperando era eu.

     Eu engoli seco, lembrando que aquela era a chance de eu conseguir pagar minhas contas. Não tinham inventado aulas de madrugada, e eu já tinha dois empregos.

     — Então, quem é o primeiro? — Perguntei, levantando uma sobrancelha. Ajustando as folhas de avaliação, batendo as laterais de todas na mesa para que ficasse retinhas, as alinhei na superfície com a caneta azul que tinha retirado anteriormente.

     Os três que tinham ficado se entreolharam e ninguém tomou o primeiro passo. Revirando os olhos, apontei para o que tinha certeza que não ia ser o escolhido para dividir o apartamento. Já tinha tido algumas cadeiras com ele nos primeiro semestres da pós graduação e ele fazia muito barulho enquanto comia.

     — Nome completo. — Pedi, e o rapaz foi logo respondendo, limpando a garganta mais vezes que o necessário. Depois das informações principais de nome, residência atual, profissão, e email, comecei o real questionamento. — Quantas horas tu dorme por dia?

     Limpando a garganta de novo, começou a coçar a nuca e eu me preparei para uma mentira. — Então, depende...E-Eu normalmente durmo cedo e acordo cedo, mesmo que eu trabalhe a tarde.

     Encarando como o rosto dele tinha ficado vermelho e as novas gotas de suor que começavam a aparecer na sua testa, anotei sua resposta com notas próprias de como ele estava mentindo.

     — Quais as motivações que tu tem para sair da casa dos teus pais?

     Com uma leve risadinha, ele começou a responder, mas então corrigiu o tom da sua garganta com mais uma limpada. Ridículo. — Eles são meus pais. Quero mais liberdade e ninguém pegando no meu pé.

Boa noite, Aquiles ✓Onde as histórias ganham vida. Descobre agora