16. ele é fogo

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16. ele é fogo

Nenhuma palavra foi dita depois que ela berrou que me odiava, mesmo que não odiasse.

Com ela chorando nos meus braços e eu cantarolando músicas aleatórias como se fosse a coisa mais normal e o que nos fazia um casal, eu estava também querendo chorar. Querendo berrar pra ela que eu não sabia o que fazer, que agora a única coisa que eu pensava era que eu precisava beber mas eu não podia, porque eu escolhia ela e que, na realidade, eu estava feliz.

Eu precisava da sua ajuda e ela da minha e eu nunca tinha passado por nada remotamente igual àquele momento: onde eu percebi que ela me tinha nas suas mãos porque conforme eu via ela se despedaçando, começava a quebrar meus pedaços pra que ela se sentisse completa, mesmo que temporariamente.

Agarrei o seu corpo como se segurasse ela junta. Senti a sua pele e apenas pensei na grande história que nós estávamos escrevendo, meus pensamentos repletos de ironia e percebendo a realidade de que eu não valia nada.

Perceber o quanto tu gosta de alguém quando ela acaba de perder pra saúde mental dela, pra bebida e pra tudo o que ela tinha jurado que não ia sentir.

E se ela soubesse que eu me forçava a lembrar só das coisas boas, seria a primeira a falar que eu só era feliz porque bebo, porque tinha que ser assim, porque eu não tenho motivos para ficar triste. Mas a real é que ela acabava me dando mais motivos pra eu me sentir feliz, que me lembrava que tocar ela a primeira vez foi como se eu parasse de respirar, e ficar embaixo daquela água com ela foi como uma nova experiência, trágica e ao mesmo tempo que enchia meu coração com algo novo e interessante.

Sentir o cheiro de manga que ela tinha nos cabelos e ver ela chorando, de um jeito sadomasoquista, fez eu ficar feliz porque ela confiava em mim o suficiente agora para me ligar. Ela não me ignorava.

E meu peito enchia de tudo isso que eu sabia ser impossível falar alto sem alguém me julgar e sem eu perceber que já tinha chegado ao meu limite.

Vendo nossas pernas enroscadas umas nas outras, espalhei minha mão no seu corpo um último momento antes de falar de novo.

— Vem... — levantei ela conforme me ajeitava em pé.

Abri a cortina e esperei ela voltar no tempo dela para o que estava acontecendo. O seu rosto perdido olhava o chão na procura do que dizer e o que fazer, mas eu agi com naturalidade. Já tinha sido eu ali no lugar dela e Vênus no meu, mas os sentimentos que eu dividia com Lívia eram maiores dos que tinha sentido com a outra.

Peguei uma toalha, sequei os seus cabelos com mechas desbotadas, tirando a sua blusa encharcada e secando a sua pele, descobrindo novos sinais que ela possuía nas suas costas, vendo a cor escura do seu sutiã que era sem bojo algum.

Segurando a mão dela, fiz ela caminhar comigo para fora do banheiro, e então na direção do seu quarto, onde alguns passos antes de entrar ela olhou para trás e viu toda a sujeira no chão da cozinha. Uma sujeira que ela tinha feito.

— Precisamos limpar a casa. — Disse, quieta e sem muitas expressões, mas já possuindo lágrimas nos olhos.

Eu entendia aquilo, a fragilidade dela, pensando que se não limpasse não conseguiria dar o primeiro passo para organizar o que ela sentia. Era assim que Lívia funcionava, e era assim que ela fazia eu me interessar mais ainda.

— Não precisamos. O que a gente precisa é descansar, sonho. — Disse, segurando a maçaneta do quarto dela antes de ela voltar a olhar pra mim, nada que me dissesse que eu não podia entrar naquele local.

Nós dois seguimos dentro do quarto e eu fingi não notar cada detalhe do cômodo.

— Onde que tu guarda as tuas coisas de dormir? — Perguntei, deixando ela perto da cama impecável.

Boa noite, Aquiles ✓Where stories live. Discover now