Capítulo 2 - Revanche

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Ainda permanecia deitada no chão, presa num turbilhão de sentimentos. Respiração ofegante, curta. A grama alta me cobria, trazendo um fiapo de consolo enquanto eu sentia um pulsar nos ombros e braço, era meu corpo bombeando adrenalina em tudo. A dor estava lá, mas era apenas um pequeno incômodo comparado ao monstro de ansiedade que gritava dentro de mim. Escutei uns barulhos muito desagradáveis se aproximando e meu peito afundou no gelo.

O monstro.

Tinha que fugir dali. Fugir. Fugir. Fugir.

A urgência desses pensamentos refletia negativamente no meu estado de espírito. A vontade de gritar me consumia e gemidos de desespero escapavam pelos meus lábios.

Precisava me mexer. Já. Primeiro virei o pescoço de um lado a outro. Arrisquei levantar o braço. Um movimento e as folhas balançaram, alertando um grunhido diferente do bicho que me caçava. Fiquei imóvel, presa entre a decisão de continuar a acordar meu corpo ou permanecer escondida. Optei pela primeira opção e me concentrei em meus pés, tentando mover um milímetro para o lado, só para me certificar de que ainda funcionavam. E eles moveram sem esforço. Eu soltei um suspiro de conforto que durou pouco. A grama balançou de novo. Silêncio. Uma quietude incômoda, quase terrível. Sentia meus ouvidos crescerem, aguçarem como nunca, querendo captar cada brisa, cada passo de formiga e nada. Nem um ronco, nem uma folha partida.

Estou segura?

Fiz um esforço, confiante de que conseguiria me mover e me levantei, escutando a crocância de meus ossos anunciarem meu trunfo. Olhei para o topo do barranco, mas não havia ninguém. Apenas a grama alta, tão alta que roçava no meu queixo, mesmo eu estando de pé com meus incríveis 156 centímetros de altura. Ainda assim, era a primeira vez que via um gramado daquele tamanho.

Tateei meu corpo e, por um milagre, parecia que estava inteira. Naquele momento, eu fui incapaz de notar detalhes importantes do meu corpo. Talvez fosse a situação, o medo ou o fato de estar querendo sobreviver a um monstro que me caçava. Minha sorte às vezes me surpreendia. Estiquei as pernas e examinei meus calcanhares e joelho, estava toda dolorida mas podia correr. Escutei um rosnado distante e, de imediato, me agachei. Olhei ao redor com cautela, procurando pelo bicho. Não estava ao alcance da minha vista.

Estaria escondido?

Arrisquei uma espiada por cima da grama alta. Só havia o vento ali. Eu suava e sentia meus olhos secos de tão arregalados. Comecei a observar o que havia ao redor. O gramado se estendia à minha frente por uma área curta, pois logo à frente havia outro declive. Eu não havia rolado barranco abaixo, mas estava presa num pequeno espaço plano no meio da descida. Olhei para trás e acima de mim e vi que o verde-azulado da grama subia até parte do barranco mas parecia não ter forças para crescer no solo mais terroso e íngreme. Sob meus pés pousava uma terra escura e úmida quase barrenta. A passos cautelosos, me aproximei da borda e pude ver a continuação da floresta abaixo. Centenas de árvores estranhas e meio manchadas ocupavam a vista e continuavam até o horizonte. Em meio a um mar de copas folhosas, vi uma falha na paisagem.

Seria uma clareira? podia ser uma vila ou um lago. Se fosse uma vila, estaria segura?

Arrisquei me aventurar mais próxima da beirada, tomando cuidado com a estabilidade daquele pedacinho de plataforma terrena que me segurava. Olhei com mais cautela, observando o que me aguardava.

Poderia pular?

A distância ainda era grande, se eu tivesse um pingo de discernimento, diria uns seis metros. Mas eu não tenho capacidade de estimar medidas, nunca tive. Fiquei olhando, indecisa, temerosa. Optei por escalar abaixo. Me segurei nas bordas, me arrastando para baixo, procurando por locais para me apoiar. Qualquer escalador livre saberia onde colocar o pé, as mãos, mas eu não sabia nada. Pisei em falso na primeira oportunidade e fui escorregando cinco metros abaixo, raspando meu umbigo e queixo na terra, usando as solas das botas para refrear minha queda. Parei quase no fim do gramado, as botas escavaram a escarpa como pás e uma pilha de terra se acumulou. Dei um respiro conformado, ainda estava viva. Um grito desagradável cortou o silêncio da floresta. Olhei para cima, um par de olhos amarelos enfurecidos me encarava. O bicho havia me encontrado. Ele deu um salto e começou a descer rapidamente.

A TerceiraWhere stories live. Discover now