Capítulo 12 - A Partida

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— Querida, vamos nos atrasar para o aniversário da sua prima! Vestiu a roupinha que comprei para você? Vem logo!

Encolhida dentro do armário, ainda escutando minha mãe bater na porta do quarto, eu cobri as orelhas. Encarei as paredes amadeiradas escuras que me davam a falsa sensação de conforto e comecei a recitar um mantra na cabeça.

Levanta, levanta, levanta.

Escuto os passos da minha mãe no corredor, ela havia desistido mas logo voltaria mais irritada. Eu abri a porta do armário e tudo clareou. Pendurada no cabide acima da minha cabeça há um conjunto de peças de roupa. Um conjuntinho de calça de sarja cáqui, uma blusa de linho rosa claro sem mangas. Peças desconhecidas, peças com cheiro novo. Não quero me imaginar nessas roupas, não quero o desconforto. Quero me encolher nesse canto e sumir. Volto a escutar as batidas na porta, não há escapatória.

— Anda logo! Anda logo! — Tetê repete.

— Querida! Saia do quarto. Saia daí! Saia! SAIA!!

O grito de Bramba me acorda. Sinto frio e reparo que estou na penumbra. Não vejo mais as paredes de madeira escura. Sinto a maciez desconfortável do monte de palha que me serve de cama. Meus olhos ainda semicerrados conseguem distinguir duas figuras na luz débil das brasas de uma fogueira moribunda.

— Saia da minha frente! — Bramba repete entredentes.

— Não. — Chelon retruca. Sinto seriedade na sua voz. — Primeiro vai me dizer o que pretendia fazer com Shino.

— Não ia fazer nada!

— Não minta. Peguei você no flagra.

— Eu só ia... ia pegar a recompensa que me é de direito!

— O que pretendia andando por aí com mintias? Ninguém seria tolo o suficiente para tentar trocar ou comprar usando a moeda dos nobres.

— Pois esse sistema estúpido não deveria existir!

— Não mude o assunto.

— Eu não ia roubar as mintias do garoto. Só vasculhei por outros objetos de valor!

— Não esperava isso de você. É melhor do que isso, Bramba.

— Vejo o quanto você favorece esse moleque, é porque são da mesma classe? Agora percebo quem você realmente é! Faz pose de correto e justo mas no final pensa como todos os vassalos que enxergam as classes abaixo como servos!

— Como você exige respeito e cortesia se não faz o mesmo? Eu enxergo muita coisa, mas principalmente vejo o desdém com que trata Shino.

Bramba o encarou por um momento, seus olhos pegando fogo. Ele virou as costas e sentou no canto oposto da sala sem dizer nada. Chelon também não quis continuar a discussão e se virou para mim. Fechei os olhos de imediato e fingi estar respirando profundamente, não sei o que me levou a agir dessa forma mas uma vez que dei início a encenação, decidi manter o teatro. Escutei seus passos se aproximarem e notei seu peso se instalar no feno ao meu lado. Sentindo-me segura, pude relaxar. Eu estava cansada, ainda com dor dos ferimentos. Meu corpo repousou confortável sobre o colchão de palha e logo minha mente se apagou pela segunda vez.

O descanso durou apenas algumas horas, um breve período de sono profundo e sem sonhos. Minha consciência saiu do breu devagar, sendo puxada para a realidade pela voz suave de Chelon.

— Shino. Shino...

Ao abrir os olhos, encontrei dois botões de luz azul me encarando. Mesmo com o susto, consegui segurar o grito, mas instintivamente ergui o corpo. Meu nariz foi de encontro com o focinho de Chelon, que tentava me acordar sem fazer estardalhaço. Os lábios, secos e rachados, começaram a sangrar assim que esbarraram nas presas dele. Mal senti o gosto do sangue ou a dor da minúscula ferida, o calor que emanava da minha pele era distração suficiente para me manter ocupada naquele momento.

A TerceiraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora