Capítulo 5 - Cheiro de Sangue

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Olhei para o entardecer, o céu vermelho tocando na linha do horizonte me ofuscava e pintava as edificações de laranja. Um véu azul escuro começava a cair e eu via as primeiras estrelas cintilando acima do sol que se punha, uma vista rara numa cidade tão poluída como São Paulo. Muitas buzinas compunham a sinfonia daquele fim de tarde, pessoas andavam apressadas na rua, os bares de esquina começavam a trazer mesas e cadeiras para a calçada, logo começaria o happy hour e tudo precisava estar pronto para receber os clientes. Senti uma pontada no abdome. Eu caminhava observando as pessoas, era um dia comum, com muita gente falando alto, barulho de carros e o som de uma música chegava aos meus ouvidos. Era música aquilo? Estava diferente, parecia outro som. Um pássaro? Não. Que som era aquele? Olhei ao redor, as pessoas pareciam ignorar o barulho, era um choro? um lamento? Minhas pernas começaram a correr, algo estava errado. As buzinas cessaram, não havia mais o som das conversas dos transeuntes, só havia o balançar de folhas, vento e... essa lamúria. Abri os olhos assustada. Outra pontada de dor.

— Acorda, molenga. — Hiz falou num sussurro urgente. Estava escuro e ele arrumava o lenço ao redor do pescoço, parecia pronto para ir embora. Eu me levantei e escutei o lamento estranho que invadiu meu sonho.

— Que som é esse? — perguntei.

— É algo que não queremos encontrar então estamos dando o fora daqui! — Bramba disse também num sussurro.

— Por que estamos cochichando? — eu abaixei meu tom de voz.

— Esse lamento que você escuta é de um Diamus. Estamos no território deles e, por algum motivo, eles estão agitados. Imagino que estão caçando. — Chelon me explicou. Ele falava baixo.

O Necromante apagava o que havia sobrado da fogueira e Hiz enterrava os restos de comida. Estavam escondendo nossos rastros. O lamento ecoava longe e era um som que nunca tinha escutado antes. Parecia um grito choroso, quase um uivo porém agudo e longo e misturado com rosnados. Dei uma espreguiçada rápida, bati as folhas secas da minha roupa e toquei na nuca. O unguento que Chelon havia preparado no dia anterior já estava seco e a ferida parecia melhor. Mexi no ombro um pouco e senti que o ferimento antigo continuava lá, meio dolorido, talvez ainda estivesse aberto.

Depois de recolher minhas coisas, ajudei meus companheiros a guardar os itens do acampamento, fui buscar minha carga e começamos a caminhar em silêncio, seguindo a direção apontada pelo Necromante, deixando para trás os lamentos do Diamus. O dia clareava.

Na noite anterior havíamos conversado bastante durante o jantar e consegui aprender muita coisa desse novo mundo, palavras novas e um pouco sobre os diferentes seres que existem. Realmente era outro universo, tudo era novidade. Chelon e Hiz haviam explicado que este mundo se chama Domínio mas eu queria saber mais, só não sabia como perguntar, nem se eu deveria.

O Domínio seria o quê? Um país? Uma cidade? Um planeta?

Enquanto eu estava perdida em pensamentos, Hiz resmungou e me trouxe de volta para o presente.

— Que tédio!

— É melhor assim, Hiz. Já tivemos ação o suficiente para uma múnus, não concorda? — Chelon riu.

Hiz, que andava pelo menos uns metros à frente do grupo, olhou para trás e soltou um bocejo.

— Contanto que não seja como a múnus de Acquafald....

Ele esticou os braços para o alto e os cruzou acima da cabeça, deu as costas para nós e continuou andando. Hiz não terminou o que dizia.

O que havia acontecido em Acquafald? Talvez fosse uma brecha para eu perguntar?

A TerceiraWhere stories live. Discover now