Capítulo 7 - Suspeita

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Voltamos para um acampamento silencioso. O fogo morria e o estalar da madeira em brasa trazia conforto para os ouvidos. Restos do jantar jaziam num pote ao lado de um tronco que usamos de banco. Estranhamente Bramba e Hiz dormiam serenos, enrolados em suas cobertas, alheios à batalha que Chelon e eu enfrentamos. Eu me aproximei do banco e sentei para descansar. Chelon foi logo alimentando a fogueira e colocou o pote com comida para aquecer.

— Devemos acordá-los? — perguntei e Chelon me deteve com um sinal negativo.

— Vamos aproveitar que o efeito das sementes de mak ainda está em vigor e focar na sua regeneração.

— Efeito de semente? — eu o encarei confusa. 

— Uma simples semente espremida próximo ao seu nariz pode te deixar desacordado por algumas horas. — a voz de Chelon era serena, ele não parecia perturbado por ter drogado seus companheiros para me ajudar. Eu fiquei olhando para ele, paralisada com a informação que havia acabado de receber.

— eu... desculpe. — falei depois que o espanto passou.

— Foque na sua recuperação, Shino. — ele me ofereceu o que havia sobrado do jantar. — eu me entendo com os dois mais tarde.

Peguei o resto do ensopado e comecei a comer. Era estranho consumir refeições feitas com ingredientes desconhecidos, eu tentava atribuir sabores e nunca encontrava certeza em nada. Parecia um caldo de legumes insosso. Estava muito mais faminta do que imaginava e senti meu peito se aquecer, a sopa parecia me dar forças. Com Bramba e Hiz nocauteados, era como se Chelon e eu fossemos os únicos ao redor da fogueira. Eu me sentia segura naquele momento, mas havia uma incerteza no fundo da mente que me perguntava se não era algum sentimento de falsa segurança, talvez por eu não estar mais sozinha.

— Desculpe pelo seu sobretudo... — eu comecei a falar ainda com a boca cheia.

— Esqueça isso Shino. — Chelon respondeu dando um tapa no ar.

— Parecia uma roupa cara — eu choraminguei.

— Isso não importa. Roupas podem ser compradas.

— Obrigada por não me deixar ali. — falei com a voz trêmula sentindo meus olhos arderem e meu orgulho se esvair. — Eu sei que estou dando trabalho, me desculpe.

Meu nariz escorria e eu sabia o estado patético que eu estava naquele momento, era difícil segurar os sentimentos que explodiam no meu peito, eu me sentia mais vulnerável do que nunca. Chelon parou de falar, parou de dizer que 'estava tudo bem'. Talvez ele soubesse, que não importa quantas vezes ele repetisse isso, para mim não estava 'tudo bem'. 

— Estou aqui se você precisar. — Ele me ofereceu um pedaço de pano velho que eu usei para limpar o rosto.

— Você menciona regeneração, mas ferimentos como esses demoram para se curar... — falei enquanto olhava o pote vazio.

Chelon me encarou sem dizer nada e eu sustentei seu olhar, confusa, tentando entender seus pensamentos.

— O que foi? Algo que eu disse te incomodou? — perguntei.

— Shino, você perdeu as memórias mesmo?

Quase derrubei o prato de comida. Senti o peso de mil ossadas de fuma-fuma sobre meus ombros.

Deixei escapar algo que não devia?

— C-como assim? — reuni coragem para responder algo.

Ele pareceu perceber o quão desnorteada a pergunta me deixou.

— Desculpe, acho que foi uma insinuação mal construída. Acredito que, além de perder as memórias, você provavelmente não recebeu o treinamento na Academia da Guarda Real. Asterianos são uma raça com alta capacidade regenerativa. É assim que a magia flui na sua pele. — ele apontou para meu peito.

A TerceiraWhere stories live. Discover now