Capítulo 4 - O Asteriano

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Meu grito involuntário não alertou ninguém. O mago não se moveu, parecia muito concentrado recitando algum cântico estranho e sequer me olhou.  Era uma reza sussurrada com palavras incompreensíveis que ecoava como se penetrasse na sua mente. Pude ver uma aura azulada ao redor dele, era algo tão inacreditável e assustador que meu instinto foi tentar me afastar. Ainda com a bunda no chão e apoiada em meus cotovelos, comecei a me arrastar para trás. A sensação da grama cinza nas minhas mãos era desagradável, como roçar em farpas de madeira.

— Vai demorar muito?! — escutei o bárbaro berrar enquanto ele tentava escapar das investidas do monstro de devorá-lo. O guerreiro pulava de um lado para outro, rolava no chão e agitava os machados tentando se defender do bicho. Os morto-vivos ajudantes já eram ossos perdidos espalhados pelo campo. Nesse momento eu parei, com medo de ser notada. Precisaria fugir dali devagarinho, enquanto todos ainda estavam ocupados.

Vi que, a uma distância segura, o arqueiro continuava flechando os tentáculos, tentando mantê-los longe do guerreiro que segurava a besta na superfície. Muitas flechas atingiram a árvore e eu pude jurar que vi uma seiva avermelhada escorrer. Mas não dei muita atenção a isso. Eu torcia para o monstrengo continuar dando trabalho enquanto eu me preocupava em escapar.

O monstro deu uma segunda sacudida violenta nos tentáculos e conseguiu lançar o guerreiro para longe. Ele fez uma pirueta no ar e, cravando um dos machados no tronco da árvore, conseguiu evitar uma queda feia. O impacto do machado fez a seiva espirrar e manchar o tronco branco de vermelho. Era possível escutar o som de madeira se partindo, como se a própria árvore estivesse gritando. Enquanto isso o monstro havia voltado a atenção para o arqueiro, ele saiu por completo da lagoa trazendo uma enxurrada de água negra. O solo encharcado ficou barrento mas o bicho avançava no elfo que corria em zigue-zague escapando por pouco das investidas. O Bárbaro pulou de volta para a ação, aterrissando com o machado melado de seiva sobre os tentáculos da besta. Alguns tentáculos se partiram e o monstro soltou um urro, deixando o bárbaro feliz o suficiente para dar uma gargalhada enquanto os pedaços decepados se debatiam no chão. O som de madeira estalando continuava.

Eu havia me esquecido que devia me mover. Tudo acontecia muito depressa e meu cérebro parecia incapaz de processar os eventos. Então me dei conta de que o feiticeiro havia parado de cantar sua prece. Eu olhei para ele num misto de receio e curiosidade, sem saber o que esperar. O mago deu um passo para frente e a aura azulada que o envolvia foi sugada para a palma de sua mão e se tornou uma bola de luz que foi lançada em direção ao monstro.

A bola flutuou, ágil como um aviãozinho de papel dando cambalhotas no ar, e chamou a atenção do bicho. O monstro abocanhou e engoliu o orbe de luz. Um silêncio caiu sobre o local. Ninguém se moveu, todos olhavam para a besta com expectativa e, num movimento rápido, ele agitou os tentáculos mais uma vez e agarrou o bárbaro, enroscando-se ao redor do pescoço dele. Mas o guerreiro não fugiu, um sorriso cínico desabrochou no rosto dele e então, a pele do monstro começou a ficar estranha e a derreter como se fosse queijo. Os tentáculos foram os primeiros a se desfazer, se tornaram uma gosma desagradável que agora escorria pelo pescoço do homem. Uma fumaça esbranquiçada subiu e pairou pela área liberando um fedor azedo. O monstrengo ainda tentou soltar um último suspiro, mas não havia mais fôlego, sobraram apenas os dentes e a mandíbula. O restante da carne do bicho agora era uma pilha de lodo pestilento. Um frio subiu pela minha coluna e eu comecei a suar, permanecendo imóvel.

— Aaah! — O bárbaro gritou de repente. — Foi por pouco! Acho que não estou sendo pago o suficiente para isso!

Ele tentava se livrar do restante da gosma que ainda estava em seu pescoço esfregando a meleca com as mãos.

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