Capítulo VII

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Anippe Mahlab

Caminho lentamente pelos corredores que, há apenas algumas horas, percorri escondida sob o manto da minha invisibilidade. Agora estou sozinha, mas não tenho a mínima intenção de fugir.

Os tênis estranhos que uso fazem um ruído surdo em contato com o chão de porcelanato, e meus cabelos roçam com o tecido duro do terrível uniforme. Há apenas uma porta no fim do corredor, e é para lá que eu vou.

Que eu tenho que ir.

Recordo-me do episódio ocorrido há pouco tempo enquanto caminho para o encontro forçado.

Quando libertei a garota da cela - que descobri chamar-se Malika -, saímos correndo pelos corredores. Tive medo de que fôssemos pegas, então, tentei fazer com que ela também ficasse invisível, mas não deu certo. Assim, corremos (eu invisível e ela visível) sem rumo pelos corredores aparentemente sem fim do enorme prédio em que estávamos metidas.

Finalmente, chegamos a um amplo saguão onde havia um elevador, que seria totalmente vazio se não fossem dois jarros de plantas ao lado das portas. Malika apertou o botão.

- Não, alguém pode aparecer - sussurrei para ela. - Vamos pelas escadas.

Ela assentiu, e mal tínhamos alcançado a porta que dava para a escadaria de emergência, quando dois guardas vindos pela escada irromperam bem na nossa frente. Malika tentou correr, mas um deles a agarrou pelo braço violentamente. Fiquei com raiva na hora, e senti minha invisibilidade ficar prestes a falhar, então mordi o lábio e me controlei.

- Anippe! - ela gritou, enquanto um dos guardas tentava algemar seus braços atrás das costas.

Eu estava incerta do que devia fazer, dividida entre a obrigação humana de ajudar e o instinto de autopreservação. Vi o brutamonte do guarda segurar com força o pescoço de Malika para conseguir dominá-la, já que a garota lutava como um demônio e tornava praticamente impossível algemá-la.

O que decidi? Bem, dane-se a moça, afinal. Só a conhecia há uns cinco minutos, mas eu sou eu há 20 anos. Se tinha de decidir pelo bem estar de uma de nós, adivinha quem ganhou essa disputa?

Bem devagar, usando de toda a minha concentração para desviar da confusão de braços e pernas que Malika arrumava, atravessei a porta que ainda estava entreaberta logo atrás de nós. Como era impossível controlar meus movimentos sem me enxergar, acabei batendo meu pé na porta, e certamente Malika ouviu. Como não precisava ser um gênio para descobrir, no ato ela concluiu (corretamente) que eu a estava deixando para trás.

- Anippe... - ela disse, desesperançosa.

Antes de ser completamente dominada, ela usou suas últimas forças para chutar propositadamente a porta da saída de emergência. A porta bateu com tudo nas minhas costas e na minha cabeça, e soltei um grito misto de dor e surpresa, perdendo o controle sobre minha invisibilidade.

Malika foi levada. E eu também. Graças a ela.

Sim, eu sou uma covarde egoísta. Decidi salvar o meu pescoço e não me importei com o que fariam com ela. Assumo isso.

Não fui dopada. Após ser levada pelos guardas, uma Mederi furiosa, com o batom borrado e com um galo imenso na cabeça teve uma conversa nada cordial comigo.

- Ou você coopera, ou você morre. E morre na hora. Então siga as instruções piamente, ou eu terei todo o prazer em estourar seus miolos.

Então, aqui estou. Caminhando civilizadamente para conhecer os outros reféns.

Paro em frente à porta feita de vidro, e vejo meu reflexo. Ajeito os fios das sombrancelhas e jogo o cabelo aloirado para o lado, olhando com desgosto para os lábios sem cor e os olhos limpos, sem delineador nem máscara para cílios. Que horror. A perspectiva de ficar aqui sem maquiagem me faz questionar a mim mesma se 'escolher' ajudar foi mesmo a melhor opção.

InfectedWhere stories live. Discover now