Capítulo XIV

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Anippe Mahlab

Passo as mãos novamente pela pele dos meus antebraços, sentindo o frio da noite me arrepiar. Não importa quanto frio eu sinta, não é seguro nem inteligente deixar a fogueira acesa aqui agora, já que só eu estou em condições de lutar, e não seria nada bom chamar a atenção dos rebeldes agora.

Acendo a última das pequenas lâmpadas que o piloto conseguiu para mim de tão bom grado. São quatro diminutas lâmpadas elétricas recarregáveis, com bateria que suporta até uma semana de funcionamento. Arrumo-as cuidadosamente ao redor da clareira onde nossas barracas estão armadas, e cubro-as com tecido, para que a luz seja suficiente apenas para não me deixar totalmente cega nesse breu.

Desamarrei o refém da árvore e o coloquei para deitar num pequeno colchão inflável que me pertence, e também lhe dei meu cobertor. Encostada numa árvore, observo o pobre homem. Ele está no meu campo de visão, no local mais iluminado daqui, e preso por um pé na árvore mais próxima; assim, mesmo que tente, o sujeito do nome complicado não vai fugir. Mas o pobre merece ao menos ter uma noite de sono decente.

Me sento no chão de arco em punho e fico montando guarda, enquanto o resto do pessoal foi à procura de Bernard.

Exceto Akira.

Assumo que estar ao lado dele me causa emoções conflitantes. Eu o odeio, sem dúvida nenhuma. E tudo que ele faz me irrita. Até seu jeito charmoso de andar, de sorrir e de ajeitar os cabelos lisos usando apenas dois dedos.

Não que eu tenha reparado nele.

É claro que não.

O japonês está sentado relativamente perto de mim, e mantém os pequenos olhos fixos na vegetação que nos cerca. Embora eu tenha insistido que ele fosse dormir e me deixasse montando guarda sozinha, ele teimosamente discordou, e eu acabei desistindo de tentar convencê-lo. Engulo em seco levemente, perdida num desconforto sem fim.

Olho de relance (mais uma vez) para Akira, e vejo que seu rosto se franze de dor. Dirijo o olhar à sua perna, e constato que seu ferimento voltou a sangrar.

Sem dizer nada, entro em uma das cabanas e pego a bolsinha de primeiros socorros que montei.

Sento-me ao seu lado. O silêncio parece denso e pesado, como se fosse capaz de nos esmagar a qualquer momento. Não há sons de insetos, de animais noturnos caçando, ou nenhum sinal da vida que provavelmente enchia essas florestas à alguns séculos atrás. No lugar do ruído de vida, agora só há uma quietude mórbida.

Ponho um pouco da pomada coagulante na lesão, e em poucos segundos, a hemorragia para. Estranhamente, sua pele parece quente em contato com meus dedos.

Limpo o ferimento com um antisséptico, o que arranca um suspiro de dor dos lábios de Akira. Seu peito se move rapidamente, e alguns fios do seu cabelo se espalham pela sua testa, por causa da brisa gelada que nos açoita. Uso um pouco de gaze e esparadrapo e cubro o ferimento.

- Belo trabalho. - Ele diz, num tom sarcástico, como se tivesse sido obrigado a dizer aquilo.

O som de sua voz me assusta, por interromper o silêncio puro da noite. Sinto que seu elogio está carregado de algum sentimento oculto. Me lembro que ele está assim desde que fui jogar charme para o piloto, então decido provocar:

- Você está falando do curativo ou do trabalho de convencer o piloto? Por que eu sei que fiz muito bem as duas coisas - digo, olhando nos seus olhos.

- A sua modéstia me encanta. - Akira revira os olhos, e olha para o curativo na perna. - Falo de ambos.

Faço uma pequena pausa antes de responder, desejando ardentemente a volta do silêncio mórbido de alguns minutos atrás. Coloco os itens de primeiros socorros na sacolinha de volta, e murmuro:

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