Capítulo XVII

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Malika Sirhan

Deveria estar dormindo há muito tempo. Estou deitada há mais ou menos duas horas e nenhum sinal de sono. Já mudei de posição milhões de vezes, levantei e dei voltas no quarto, me deitei observando o teto e até tentei contar carneirinhos. Nada adiantou.

Tudo que consigo pensar é na missão de amanhã. Não estou pronta para fazer aquilo de novo. Memórias da floresta me vem a cabeça: Akira levando um tiro, a facada que eu levei, o sequestro de Bernard, Anippe resistindo aos rebeldes sozinha, aquele homem morrendo na nossa frente.

Toda a dor e o desespero que eu senti naquele dia e que podem se repetir.

Não quero nada disso. Não quero ser responsável pela morte de nenhum rebelde, independente do que eles estejam fazendo. Não quero correr o risco de me machucar de novo, mas principalmente não quero correr o risco de perder meus amigos. Durante toda a minha vida, antes da organização me trazer pra cá, eu só tive um amigo, mas isso já faz muito tempo. Minha mãe ainda era viva, e depois que ela morreu, nunca mais pude vê-lo. Quando perdi os dois, não me sobrou mais ninguém. Até agora.

Apesar de tudo de ruim que temos que passar aqui, não posso dizer que me arrependo completamente de vir para cá. Antes tinha que lidar com tudo sozinha. Agora tenho seis amigos iguais a mim. Mas ainda assim... Como seria se a organização não tivesse me achado? Como seria se eu tivesse conseguido deixar a África do Sul? Como seria se eu tivesse voltado para casa, para Lesotho? Será que Amani ainda está vivo? Será que ele ainda está lá? Será que eu teria conseguido pelo menos meu amigo de volta? Todas essas possibilidades me acalmam e, aos poucos, pego no sono pensando nesses momentos felizes que nunca chegaram a acontecer.

Acordo com o despertador tocando alto. Apesar de todos os meus medos, me esforço para levantar e me preparar para a missão. "Por eles.", digo a mim mesma. "Você não pode deixá-los na mão". Vou ao banheiro e encontro Aisha.

- Bom dia. Dormiu bem? - ela pergunta.

- Na verdade, não. - não tenho porque mentir.

- Eu também não. Estou tensa com a missão.

Sinto alívio de saber que não sou a única.

- Sim. Achei que teriamos mais tempo antes de termos que passar por tudo isso de novo.

Aisha sorri como quem entende, e vejo que ela está tão mal quanto eu, por isso digo:

- Bom, vamos ver o lado positivo. Dessa vez não estaremos sozinhos. Na sede da organização teremos apoio.

- Tem razão. - ela diz, mais calma. - E também não temos que nos preocupar de uma de nós perder o controle, certo? Podemos contar uma com a outra pra deixar tudo normal.

- Com certeza. - digo, sorrindo.

- Então até logo, Mali. - diz Aisha, saindo.

Alguns minutos depois, termino meu banho, visto meu uniforme e vou encontrar os outros. Eles estão no refeitório.

As refeições são meus momentos favoritos. Quase não falo nada, mas gosto de ver todos eles conversando, animados, todos juntos. Porém, hoje não é assim. O clima na mesa é de tensão e ninguém fala muito, todos perdidos nos próprios pensamentos.

Quando terminamos o café, vamos juntos a sala de armas pegar nossos equipamentos e, em seguida, nos dirigimos ao local onde está o helicóptero que nos levará a missão. Lá Mederi nos dá instruções sobre o que iremos fazer, fala sobre a outra sede e coisas do tipo, mas a verdade é que não consigo prestar atenção em nada do que ela diz. Fico ali, observando as seis pessoas que estão comigo aqui.

InfectedWhere stories live. Discover now