Capítulo XV

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Akira Yamaguchi

Por apenas um minuto, eu vislumbro minha vida antes dela me abordar no elevador. Não era uma vida perfeita, nem de longe, mas era boa o suficiente para mim. Os planos pro futuro começavam a nascer na minha cabeça: profissão, mulher, filhos. Relembrar essas coisas agora é como o momento em que você acorda de um sonho. Tudo é penumbra no mais puro borrão, e você não consegue identificar exatamente o que se passou.

Não me vejo mais naquela vida pacata e abandonada. Não sinto saudades de nada, apenas de uma coisa, um alguém. Mas retiro de mim esse pensamento maluco.

- Ei! Vá devagar. - resmungo.

- Desculpa. - ela diz entre risos. - Isso nem está doendo, Akira. Pare de graça.

Realmente não está doendo, mas vê-la trabalhar na minha perna me agoniza. Se não fosse a injeção que ela aplicou, tenho certeza que eu já teria desmaiado de dor. Essa bala alojada na minha perna é a pior coisa do planeta.

O ferimento não sangrava até Mederi inventar de tirar essa coisa. Aisha tinha me salvado com aquela pomada milagrosa e Anippe com o curativo. A pele ao redor do buraco já estava se reconstruindo, o que proporcionou o mínimo de movimentação, e foi o suficiente; mas apesar de eu não perder mais sangue, Mederi me disse que aquela bala poderia se locomover no meu corpo e acabar perfurando uma artéria na coxa. Não discuti.

Ela puxa a pinça com o pequeno projétil entre os ganchos. Olha pra mim com os mesmos olhos que eu vi na noite em que aceitei segui-la, olhos de vitória. Tomo coragem, olho para baixo e, na mesma hora, me arrependo. Não está nada bom.

Minha coxa branca está toda colorida com o rubro do sangue e o buraco por onde a bala entrou dobrou de tamanho. Não só aumentou de tamanho como ficou bem pior. Um parafuso tentando adentrar o furo de um prego faria menos estrago do que aquilo que tinha se tornado (a porta de entrada para o inferno que eu chamava de coxa).

Ainda bem que eu não senti nada.
Mederi coloca a bala em um tipo de becker com tampa, fecha os pontos e monta um curativo.

- Pronto, rapaz. - ela me dá uma palmada na barriga. Continuo deitado e observo enquanto ela tira as luvas. - Levanta daí é vá seguir sua vida. Herd nos dará um feedback sobre a missão. Apesar dos pesares, creio que tenha saído bem.

Não sei se esse "saído bem" quer dizer, exatamente, que fizemos o trabalho.

Tento me levantar, o que é o pior erro desde ter aceitado a missão. A perna está totalmente anestesiada, o que não me permite sentir o chão quando piso nele. Resultado: desabo parecendo uma grande porção de carne morta.

Mederi ri alto da cena hilária que proporciono. Ela traz uma cadeira de rodas e me suspende até o assento. A facilidade com a qual ela me levanta me lembra da sequela em grande escala que a guerra deixou.

Ela me empurra para fora da sala; isso não me felicita nem um pouco. Abaixa-se colando nossos rostos, fazendo com que seus cachos me atinjam, para sussurrar em meu ouvido.

- Não está parecendo muito confiante. - ela ri e reassume sua postura. - Eu paro quando chegarmos à sala de reuniões e deixo você empurrar com as mãos.

Garota irritante, mas é uma irritação que eu gosto. É quase o que eu sinto quando chego perto de Anippe, mas aquela egípcia me irrita um pouco mais. Talvez pelo fato de sermos muito parecidos. Ou muito diferentes.

Chegamos à grande porta de mogno.

- Obrigado, eu consigo daqui. - depois de três tentativas em vão, noto que todos meus sentidos estão comprometidos. Eu não consigo. Olho para a ruiva que continua rindo, e isso faz com que eu ria também.

InfectedWhere stories live. Discover now