ATO 24

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Para quem ama, qualquer sacrifício é alegria.

     De volta ao dormitório feminino, respirei o ar gélido do subterrâneo e retirei o fio que interligava minha nuca às pressas

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De volta ao dormitório feminino, respirei o ar gélido do subterrâneo e retirei o fio que interligava minha nuca às pressas. Não havia ninguém no cômodo. Levantei da cama em um salto, fui para a ala masculina, onde por sorte, encontrei Patrick sentado em sua cama, analisando uma foto.

     — Patrick?

     — Lamento pela sua eliminação, Pan... Um tal de Gabriel acabou sendo Alfa. Na verdade, lamento por todos nós do grupo.

     — Tudo bem, haverá outras oportunidades — o tranquilizei.

     — Talvez. Mas sinto que estão fazendo o máximo para nos manter longe deste cargo — disse ele, desapontado.

     — O que você viu no deserto, que o fez ficar imóvel? — perguntei ao lembrar da forma terrível em que fora desclassificado.

     — Vi Lola. Ela acenava para mim no horizonte. Sorria de uma forma tão carinhosa... que... confundiu minha mente. Não me lembro de muito após isso — Patrick repousou a foto em seu colchão e a cobriu com seu travesseiro. Depois curvou sua coluna para alcançar seu extenso coturno, que chegava até seu joelho e fora desamarrando os cadarços, lentamente — Somos crianças que passaram por coisas que eram demais para nossa idade. Aprendemos muito com nossos erros, mesmo que tenham sido erros terríveis. Mas continuamos errando. Não sei se fazemos isso para aprender mais, ou só porque somos idiotas — Ele desamarrou por completo o primeiro coturno, tirando-o de seu pé.

     Uma meia longa e cinza cobria metade de sua perna. Quando o garoto a retirou, tive que conter minha surpresa ao ver ali, uma perna completamente de madeira. Do joelho para baixo.

     — Patrick... — disse aos sussurros.

    — Isto aqui, foi o resultado de um dos maiores erros que cometi. Uma escolha que condenou eu e minha irmã para cá — ele desprendeu as amarras que ligavam sua perna de carne com a de madeira e colocou a parte falsa em seu colo, analisando os detalhes — Morávamos em uma casa de campo. Tínhamos uma vida excelente com nossa mãe. Sempre foi muito atenciosa e fazia questão de garantir ótimos presente de natal.

     "Quando a gente era bem pequeno mesmo, ela dizia que nosso pai foi viajar para um lugar distante e que não voltaria tão cedo. Mas anos depois, descobrimos que ele tinha nos abandonado. Não aguentou a responsabilidade de ser pai, e também não fez falta alguma."

     "O problema é que mamãe conheceu um rapaz tempos depois e começou a traze-lo para casa. No começo aceitamos a ideia, mas essa harmonia não durou muito. Descobrimos que ele era alcoólatra. Também descobrimos que ele detestava a gente. Eu principalmente. Não gostava do jeito que eu me vestia, do meu cabelo..."

      "Ele me obrigou a raspar cabeça e comprou roupas que meninos geralmente usavam na escola. Mamãe não se pôs contra. Ela disse que era tudo para nossa evolução. "

     "O que ele impunha, mamãe tirava o chapéu. Estava completamente cega por ele. Não sei se era carência, ou se ela só tinha emburrecido.  Um certo dia, nas férias de verão, mamãe tinha saído para fazer compras, ele chegou em casa bêbado, completamente descontrolado.

     "O canalha deu um tapa na minha irmã porque ela não queria deixa-lo pegar mais bebidas na geladeira. Quando vi a cena, não me segurei. Peguei uma faca na cozinha e cravei em sua coxa."

      "Aquilo foi tão... prazeroso. Ver aquele bosta agonizar. Mas não foi um golpe fatal. Longe disso. Ele tirou a faca da perna e disse que nos mataria por isso."

     "Corremos para a floresta atrás da casa, gritando por ajuda, mas o lugar era isolado. Ele conhecia bem os arredores. Mesmo com um furo na coxa, conseguia ser tão rápido quanto nós. E foi nesse momento que o pior aconteceu. Acabei tropeçando em um galho e escorreguei em uma pequena ribanceira. Rolei até cair em um riacho."

      "Lola gritou apavorada."

      "Desceu a ribanceira, mas era tarde. Fui levado pela correnteza brutalmente e bati minha perna esquerda em uma rocha. Senti minha pele sendo rasgada. Não consegui nem gritar, a água entrava pela minha boca e me sufocava. Foi quando desmaiei de vez.  "

     "Acordei e vi Lola do meu lado, aos prantos. Estávamos em algum lugar da floresta, próximos do rio. Minha perna latejava de dor. Não havia nada que ela podia fazer a respeito, mas salvou minha vida."

    "Não encontramos o caminho de casa tão cedo. Ficamos dois dias ali. Ela caçava alguns peixes, fazia fogueira a noite e ainda estancava os ferimentos com os recursos que encontrava. Fez tudo isso até sermos encontrados pela polícia local, junto com minha mãe, que mal conseguia falar alguma coisa, e o desgraçado do seu marido, que fingiu preocupação até o último momento.

     "Ele sussurrou em meu ouvido que se contássemos o ocorrido, ele mataria nossa mãe. Isto nos silenciou desde então."

     "Os ferimentos em minha perna aumentaram de uma forma horrível, infeccionando durante os dias que ficamos perdidos. O resultado disso foi a amputação. Se tivessem nos encontrado no momento em que Lola me salvara, eles teriam conseguido salvar minha perna, mas nada estava a nosso favor naquela semana.''

     "Lola ficou mais revoltada do que eu. Ela estava diferente, de uma forma que eu nunca havia visto. Em uma noite, ela entrou no quarto do cara e o golpeou no peito com a mesma faca que eu o atacara. Quando fui ver o ocorrido, Lola não estava mais na cena do crime. Cheguei no quarto e havia dois corpos ensanguentados. O dele e o da mamãe. O cara havia matado ela antes de dar o ultimo suspiro. Era a sua vingança contra a nossa vingança. Havia terminado pior do que começado"

     "Eu assumi o assassinato também. Não queria deixar Lola sozinha nessa. Fomos parar em um sanatório da região e de lá, adotados por Pompoo. Essa prótese foi o último presente que mamãe deu para mim."

     — Vocês dois foram muito corajosos, do começo ao fim — reconfortei.

     — Cometemos vários erros, mas fomos corajosos sim. Essa... é a primeira vez que falo disso com alguém.

     — O que falou aqui, morreu aqui — o encarei com um sorriso, segurei em sua mão e encostei meus lábios no seus. Um breve beijo e um longo abraço apertado, finalizara aquela conversa.


 Um breve beijo e um longo abraço apertado, finalizara aquela conversa

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II - Rebelião dos IrrecuperáveisWhere stories live. Discover now