7. Skinheads

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Foi divertido brincar de super-herói, mas a realidade é que eu não passava de um péssimo pai e um infrator da polícia que passou com o carro por cima de dois jovens preconceituosos

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Foi divertido brincar de super-herói, mas a realidade é que eu não passava de um péssimo pai e um infrator da polícia que passou com o carro por cima de dois jovens preconceituosos. Depois de me despedir de Yuri e prometer visitá-lo mais vezes resolvi passear pela cidade e resolver alguns dos meus problemas.

Em menos de uma semana teria que voltar ao trabalho e colocar minha vida nos eixos. Retornaria à rotina, aos bons hábitos e à vida pacata de sempre, tentando dessa vez ajudar de verdade meus alunos para que novos casos como o do meu filho não se repetissem.

Sabia que o pior da escola era o bullying e Damien sofreu bastante com isso. Tivemos que mudá-lo de sala diversas vezes, deixei de ser seu professor nessas idas e vindas e penamos para conseguir um ambiente mais ameno, onde poucos sabiam sobre a sexualidade dele. Como sempre, apenas reprimia meu garoto com minhas ações. Estava na hora de mudar meu jeito de agir.

— Quem é vivo sempre aparece - disse David de longe, assim que me viu. - Veio cedo, te esperava só de tardinha.

Meu antigo colega era mecânico há 25 anos. Entrou na profissão quando estudávamos no ensino fundamental e todo veículo que tive foi ele quem cuidou. Desde a moto caindo aos pedaços que comprei na adolescência até o veículo que atropelou e quase matou duas pessoas.

— É bom te ver - falei, depois de um forte aperto de mão - Não te encontrei quando deixei o carro ontem. Estava de folga?

— Eu casei, não lembra? - Deu as boas novas - Por isso não pude ir ao velório. Sinto muito pelo que aconteceu, cara.

Ouvir aquilo tantas vezes perdia o significado. A maioria das mensagens fúnebres que recebi foram por WhatsApp. Isso mostrava a insensibilidade das pessoas. Ninguém se dá ao trabalho de ir até você e perguntar se está tudo bem quando algo ruim acontece.

—  Ah, sim, o casamento. Minha memória não anda muito boa.

— Depois do que aconteceu, não é pra menos - ele limpou as mãos na flanela enquanto conversávamos - Assisti aos vídeos. Pai do Céu, foi bem pesado. Não sei como o YouTube ainda não tirou do ar.

— Judith pediu. Agora é aguardar - revelei, desconfortável.

— Disseram que ele era gay, é verdade?

David não tinha muito filtro na hora de falar. Perguntava as coisas na lata, por mais que pudesse deixar os outros desconfortáveis. Passei a mão na nuca e esperei que ele se desse conta do quanto aquilo era inapropriado. Como isso não aconteceu, respondi.

— Sim, ele era.

— Tá explicado então...

A forma como ele falou me irritou mais do que as palavras em si, porém respirei fundo e aliviei a pressão dos punhos cerrados.

— O carro está pronto? - Perguntei.

— Claro, pô! Aqui e rapidex.

Ele foi até o balcão e pegou a chave do meu carro.

— Tiramos também aquele arranhão que você pediu por telefone. Não cobrei, é por conta da casa!

— Obrigado, David.

— De qualquer forma, vê c'e não atropela nenhum cão na estrada de novo. Tem que ter cuidado!

— Pode deixar - logo quis mudar de assunto - E quanto ao trabalho? Como anda?

— Difícil, moço. Não soube da pior? Aquela gangue careca vem andando por aqui.

— Gangue careca? Ah, pera. Está falando dos Skinheads? Tem gente assim por essas bandas?

— Aos montes. Eles se reúnem na praça durante a madrugada. Quem passa perto apanha. Vivem perturbando os mendigos, arranjando briga e quebrando lâmpadas em boiolas.

Ouvi o resto do relato com mais interesse. Conhecia o grupo, era formado normalmente por homens que usavam roupas pretas e corte de cabelo curto; e espalhavam mensagens homofóbicas, xenofóbicas e racistas.

O pior era a polícia não fazer nada para impedi-los.

— Tenho que ir agora - falei, com pressa.

— Vê se não some, moço. Manda um abraço pra Jud.

— Pode deixar.

Saí de lá pensando nos Skinheads.

Manobrei em direção a praça central, como quem não queria nada. Esperava encontrar alguns por lá, mas por ser cedo apenas estacionei e caminhei pela praça. Se David estivesse certo o grupo apareceria na madrugada, o que me daria tempo de sobra para andar pelo quarteirão e conhecer um pouco o lugar.

Ideias perigosas circulavam pela minha cabeça e andar ajudou a coloca-las no lugar.

Na caminhada percebi que a maioria das lojas tinha grades grossas e câmeras para segurança. São Paulo costumava ser mais amigável na minha época. Hoje, parecia comum os vendedores olharem com suspeita para quem entrava no comércio. Os olhares deles me acompanhavam para ter certeza de que não roubaria.

— Interessado em algo, senhor? - Perguntou a vendedora, com um sorriso gentil.

Ela devia ter o dobro da minha idade, andava com dificuldade e um dos olhos era cego. Olhou para as máscaras que eu observava e pegou uma delas.

Não sei como parei naquela loja, apenas deixei me levar.

— Essa daqui é de seda - disse ela - A maioria dos casais compram quando querem...

— Não estou interessado nesse tipo de coisa - cortei.

Ela ergueu uma sobrancelha e guardou a máscara.

A loja de fantasias estava às moscas, as roupas na vitrine não eram chamativas, mas aquelas máscaras me fisgaram.

—Essa aqui vale para todas as ocasiões - ela falou, me entregando outra.

Fui para frente do espelho e me senti ridículo com aquilo.

Se fosse algo feito pelo Yuri, talvez tivesse outro efeito, mas ali parecia que aquele objeto não fazia parte de mim. Por isso desisti de usá-lo.

— Quer saber, acho que não preciso de máscara. - decidi - Pode trazer aquele cachecol preto para mim?

Despertei ainda mais o interesse da velhinha, porque ela deu meia volta e foi o mais rápido que conseguia - fraca e um pouco manca - até a prateleira que apontei.

—Não é tão barato quanto as máscaras, mas talvez te agrade. Não me recordo do material que é feito, porém é resistente. Caso vá a um lugar onde seja preciso manter a identidade segura sugiro que enrole ao redor do rosto, para tapar o nariz e a boca. Pode amarrar bem.

—É um pouco grande.

— Esconde boa parte do rosto. Além do mais é de ótima qualidade, o tecido não rasga facilmente.

— Parece bom para mim... - tentei disfarçar meu apreço - Pretendo usar... Para uma festa a fantasia.

— Tenho certeza que será um evento muito divertido.

— Sim, com certeza será.

Comprei o cachecol e voltei para a praça. Esconderia meu rosto com ele, usaria um capuz e pronto. Minha identidade estaria protegida para qualquer loucura que estaria disposta a fazer. Pois acreditem, sempre fui longe quando o assunto era me envolver em confusão.

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