34. O fim

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— Justiceiro? Herói? Fora da lei? Ou alguém capaz de tudo para fazer a comunidade LGBT ser finalmente ouvida em um país onde a cada dia centenas de gays e lésbicas são assassinados diariamente? Acreditem, senhoras e senhores, o Lutador Verde é um símbolo de luta e resistência ao invés do bandido que alguns políticos dizem. Posso afirmar isso porque fui salvo por ele, quando o mesmo me viu ser esfaqueado por um gay e me salvou do meliante, que fugiu após nocautear meus seguranças. Para quem acreditava que ele ajudava somente os homossexuais, vocês estavam redondamente enganados! Esse herói está aqui para todos nós! Eu, como uma vítima, posso afirmar isso!

A voz de Antoni aumentou o tom e tanto Yuri quanto eu afastamos os olhos da televisão com repulsa quando o jornalista abriu a blusa e mostrou a cicatriz na barriga referente a facada que levou.

— Meu Deus, que homem nojento! – Gritou Yuri, tateando pelo sofá de olhos fechados até encontrar o controle remoto e conseguir afastar aquela imagem horrível.

— Agora que a opinião pública está do lado do Lutador ele quer mudar de lado. Sinceramente, não entendo como funciona a cabeça desse homem.

— Que tipo de pessoa forja o próprio assassinato, faz um escarcéu dizendo que estava à beira da morte, usa isso em benefício próprio e depois muda de opinião da noite para o dia sobre um assunto sério?!

— São os mistérios das facadas – falei, me levantando do sofá e me afastando da televisão.

— Pelo menos fico aliviado por ele estar vivo, caso contrário a polícia ainda estaria atrás de você.

— Sim, mas quando ele atacar novamente, e sei que isso irá acontecer, estaremos preparados.

— Minha vontade é de socar o rosto daquela imundície de homem!

Bruno chegou do corredor e riu quando ouviu o final da frase do namorado.

— Não estão falando de mim, né?

— Ainda não, mas quem sabe um dia – respondi, brincalhão.

Yuri me repreendeu com um olhar, depois caminhou até Bruno e entrelaçou os braços ao redor do pescoço do atleta para lhe beijar.

— Precisam sair, meninos – lembrei, pegando as máscaras da estante da sala e entregando para cada um. – Lembre-se, só quero que patrulhem. Nada de se envolverem em um confronto direto igual da última vez. Não é porque agora usam roupas à prova de bala que podem baixar a guarda.

— Diga isso para ele – defendeu-se Bruno. – É o Yuri quem corre pra briga sem nenhum aviso prévio!

— Reclama assim porque não luta melhor do que eu – rebateu o de cabelo colorido. E depois se virou para mim. – A Judith vai estar em qual frequência?

Fiquei em dúvida quanto àquela pergunta, por isso apertei o comunicador, localizado na minha orelha esquerda, e perguntei.

— Jud, qual a sua frequência?

— Pela milésima vez, é a 12 — ela respondeu, estressada. – Já disse que essa é a única frequência que funciona a longa distância!

E como estão as coisas em Brasília? – Perguntei, curioso. – Conversou com meu contato?

Demorei para revelar a ela que quem me ajudou a planejar os protestos era um político. Judith me julgou, pensou que provavelmente o homem tinha segundas intenções por trás daquela boa ação e por conta disso viajou para Brasília e passou a espioná-lo de perto.

No fim, ela compareceu a inúmeras sessões do senado referentes a comunidade LGBT e passou a lutar com afinco pelos direitos de minorias. Por ser tão metódica e agressiva com a oposição, Judith se candidatou como vice do meu contato.

No fim, acho que entrar para a polícia se transformou em sua missão para superar a perda do Damien. E mesmo tão ocupada, ela ainda ajudava no patrulhamento em São Paulo.

A proposta de criminalizar a homofobia foi adiada mais uma vez. Os protestos vão ser mais violentos hoje, tenho certeza.

Me virei para os garotos.

— Frequência 12, pessoal. Tentem ficar mais atentos, não entrem demais na multidão e qualquer suspeita me avisem e aguardem minhas ordens.

— Pode deixar, papai – Respondeu Bruno, em chacota. – Se tentarem atacar o nosso pessoal vou meter a mão nesses arrombados.

— Sem palavrões na casa – repreendeu Yuri, dando um tapa na nuca do mais alto.

— Muito bem – e lembrei algo antes de deixá-los partir. – Ah, não se esqueçam que hoje teremos mais lutadores com a gente. Por isso tentem socializar.

Yuri concordou e, antes de ir, me deu um abraço apertado como sempre fazia antes de cada missão.

Deixei que ele me apertasse e senti alívio por nada de mal ter acontecido com ele até o momento, afinal o garoto saiu ileso de um tiro e de todas as complicações médias que surgiram. A recuperação dele foi tão rápida que logo voltou a me atazanar para voltar às ruas e acabei deixando, com a condição de que Bruno sempre o acompanhasse.

— Obrigado por isso – ele me disse, ainda sem me soltar.

— Isso o quê? – Perguntei, confuso.

— Ter entrado na minha vida.

Aquelas palavras mexeram comigo e fechei os olhos, emocionado.

Não contei para ele o que fiz na passarela. O fato de quase ter me matado me fez abrir os olhos para a questão que Damien me deixou quando me pediu para ter fé nas pessoas. Eu não poderia mudar o mundo sozinho. Precisava de ajuda.

Vendo o que fui capaz de fazer ao reunir tantas pessoas para os protestos, quis incentivar o surgimento de novos heróis.

Yuri desfez o abraço e me observou com um carinho que me fazia sentir o homem mais sortudo do mundo.

— Lutador Violeta na escuta – Yuri ajustou a frequência para se comunicar com Judith.

Bruno fez o mesmo e se apresentou em seguida.

— Lutador Índigo também na escuta. Estamos saindo do ponto de encontro. Pode traçar o caminho para encontrarmos os demais?

Desliguei o comunicador antes que tivesse de ouvir Judith reclamar sobre não ser o Waze* para traçar a melhor rota de viagem.

Por já estar atrasado, vesti meu uniforme — agora da mesma cor que o meu nome, um verde escuro e com metais bordados na luva para dar mais impacto na hora dos socos.

O som do protesto começou e enquanto acompanhava ele se tornar cada vez mais intenso e o chão tremer com a força dos pés batendo nos asfaltos de nossas ruas, sorri comigo mesmo e entendi que qualquer pessoa que tentasse desafiar um dos meus Lutadores seria derrotado.

No fim, queria que Damien tivesse optado por ficar mais tempo — assim como eu escolhi — para presenciar todas as mudanças que viriam.

Um filete de esperança havia entrado no coração daquelas pessoas. Claro que eu ainda teria que presenciar a maldade em muitos lugares, secaria as lágrimas de gente que eu amava e gritaria de raiva pelas injustiças que enxergaria com o passar do tempo, mas isso faria os bons momentos se tornarem ainda melhores.

— Lutador Verde na escuta – falei, após descer do prédio e me encontrar com a multidão de pessoas marchando na minha direção.

Estava pronto para o que viesse.

FIM

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Notas finais

Obrigado pelo carinho, os votos, os comentários e cada pessoa que chegou até o fim conosco. Que o mundo mude, mesmo que devagarzinho e possamos fazer dele um lugar melhor. Um forte abraço. E precisando de mim, é só chamar.

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⏰ Last updated: Feb 06, 2019 ⏰

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Lutador VerdeWhere stories live. Discover now