Capítulo 3

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Arthur sentou-se rígido sobre a cadeira de madeira lustrosa, com os olhos cinza brilhando.

— E então? — perguntou.

— Tudo sob controle. Não parece haver motivo para preocupação.

Os olhos do presidente sorriram com a resposta e seu corpo, sentindo a mudança, relaxou.

— Mas eles não estão reagindo aos desaparecimentos?

— Bom, segundo Davi, ainda existem reuniões e continuam nos responsabilizando pelos ataques, mas a inquietação não passa disso.

— E os antigos boatos sobre rebelião? — insistiu o presidente.

— Davi disse que nunca passaram de boatos. Têm tanta coragem de organizar uma quanto de recusarem água.

— Tanto melhor. Enquanto permanecerem em ordem e em silêncio, assim os deixaremos. De qualquer forma, já deveríamos saber. Pessoas amedrontadas e sem esperança não reagem.

Marcus sentiu um leve calafrio aos escutar as palavras de Arthur.

— De fato. Mas Davi insistiu, talvez descubra algo de útil.

— Sim. Ele iria de uma forma ou de outra.

Marcus sorriu.

— Certamente, Senhor. Mas se me permite uma pergunta, há algo mais que eu possa fazer? O Senhor parece estranhamente preocupado.

Marcus Homage era um homem corpulento e negro. Tinha a cabeça sempre raspada e aparentava ter menos do que seus cinquenta e um anos. Sua expressão era sempre respeitosa, como a de um homem que sabe obedecer e saberia mandar, se fosse necessário. Era o braço direito de Arthur Veering desde muito antes que este se tornasse o homem mais poderoso do mundo e comandasse todo ele. Acompanhara toda a sua ascensão e a mudança da organização global pensada pelo atual presidente. Quando as cinco capitais e as cinco províncias foram organizadas, Arthur oferecera a Marcus a liderança de qualquer uma delas, que recusara e optara por continuar na cúpula superior, onde vivia e de onde governava o presidente, situada dentro das muralhas da terceira capital.

Assim, todas as outras capitais já conheciam seus líderes e Arthur pessoalmente dirigia a terceira, mas já pensava em alguém para ocupar seu lugar. Presidir o mundo já era trabalho sufi ciente.

Dessa longa convivência entre eles, resultava a capacidade que tinha Marcus de notar as mudanças de humor do chefe.

— Nada digno de ser compartilhado, Marcus. Obrigado e já pode sair.

Marcus hesitou por um momento, mas entendendo a ordem, cumpriu-a como sempre fazia. Levantou-se e saiu do gabinete presidencial.

Arthur esperou que a porta se fechasse e começou a caminhar pelo amplo e elegante cômodo todo decorado em madeira. Era o lugar no planeta que mais valeria dinheiro — se essa ainda fosse a moeda de troca da época — com uma imensa biblioteca, onde repousavam os exemplares do que já tinham sido importantes livros. Nas paredes, obras de arte, tudo o que sobrara das antigas eras do mundo.

Foi até a janela e admirou, pensativo, o céu azul.

A vista que tinha dali era realmente bela. Altas árvores, um grande lago azul que, mesmo sem muita chuva, insistiam em conservar, além de bonitas mansões.

Contudo, estava tenso. Marcus tinha razão, mas Arthur não podia conceber a ideia de que ele, o homem mais poderoso da terra, estivesse tendo pesadelos. Pesadelos esses que o assustavam mais do que o pensamento da fome, sede ou até mesmo do que a guerra. De uma certa maneira, percebeu, os sonhos que vinha tendo conjugavam tudo o que de ruim poderia imaginar, todo o caos que poderia existir nesse mundo ou em qualquer outro.

Sentiu um arrepio percorrer o corpo e lutou para afastar os pensamentos. A própria lembrança dos gritos que ouvia quando alguém desaparecia, e que agora ouvia também em seus sonhos, era capaz de fazê-lo estremecer.

Avistou então as muralhas, menores do que realmente eram pela distância, mas que mesmo assim transmitiam uma sensação de poder, escuro poder, contudo, do tipo que não se sabe contra qual direção será usado.

Erguidas por braços humanos, por milhares de ordinários que sucumbiram durante a construção, eram imensas e indestrutíveis, e ofereciam qualquer proteção de que poderiam precisar, concluiu. E estavam prontas... As cinco grandes muralhas que cercavam as capitais haviam sido finalmente finalizadas.

Passou as mãos pelo austero rosto em que a barba grisalha começava a despontar e lembrou-se de Davi, que apesar de compartilhar seus planos, fora o único a lamentar tantas mortes durante as obras. Havia tentado impedir que tantos morressem durante o processo. Argumentava que já teriam desgraça sufi ciente depois. De qualquer forma, após dez anos, as muralhas estavam prontas, e a distinção — já existente há ainda mais tempo — entre singulares e ordinários, tinha um coração.

Agora haveria o banquete, ali, na terceira capital, centro dirigente do mundo, para os singulares, com o intuito de celebrarem a perfeita ordem em que as coisas se encontravam.

Claro, havia os desaparecimentos, mas eram todos ordinários os que sumiam! E havia bastantes deles no mundo!

Ainda pensativo, Arthur teve a impressão de que tudo fi cara um pouco mais escuro. Imaginou surpreso se seriam nuvens cobrindo o sol, trazendo fi nalmente um pouco de chuva.

Abriu as janelas e percebeu uma imensa sombra que cobria toda a área de que tinha visão dali. Não conseguia distinguir o que causava o fenômeno, mas o sol pareceu mais distante, não como se nuvens estivessem o cobrindo, mas como se tivesse sido afastado, ou um pouco de seu poder engolido pela própria escuridão.

Foi tomado então por uma súbita onda de frio que percorreu seu corpo e congelou seus ossos.

As janelas estavam suadas, como se feitas de gelo, tivessem sido aquecidas.

Sentiu um pânico crescente que vinha de dentro de si próprio e de todas as direções. Sentiu também toda a dor e sofrimento do mundo, o caos de antigas épocas e um vácuo, um buraco negro, vazio e infinito no que se referia ao futuro.

Antes que pudesse reagir, um grito agudo não humano foi ouvido em toda a terceira região, província e capital, e Arthur pensou ter visto a muralha crescer diante de seus olhos, antes de cair em uma escuridão profunda.

Sombras do MedoWhere stories live. Discover now