Capítulo 29

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— Pai, o Senhor PRECISA abrir os portões.


Arthur gargalhou.


— Preciso? Temo ter que discordar. Na verdade, agradeça por não termos tido tempo de despejar os ordinários que trabalham na capital para fora.


— Como o Senhor espera que essas pessoas lutem contra aquelas criaturas? Arremessando suas verduras e os enlatados que recebem? Olhe para eles, pai!


Estavam parados do lado de fora da porta principal do palácio da terceira capital, no pé das grandes escadarias de mármore. A sua frente estava o gigantesco portão de aço que separava capital e província. A única passagem. Oficial, pelo menos.

Podiam ver, do outro lado do portão, a maré de pessoas que se estendia por muitos metros, implorando para que pudessem entrar na capital. Eram contidos pelos soldados armados que criavam uma barreira humana.

Havia soldados posicionados também do lado de dentro da muralha e em cima dela. De minutos em minutos, ouvia-se um tiro. Sinal de que algum ordinário avançara demais.

— Essas pessoas? — Arthur repetiu, acidamente. — Desde quando você deixou de se referir a eles como ordinários?

— E desde quando chamá-los de ordinários faz com que deixem de ser pessoas? Da última vez que chequei ainda eram muito parecidos com a gente. Com fome, sede, raiva e tudo mais. 

Davi arqueava as sobrancelhas em uma expressão forçada de surpresa, como se estivesse dando explicações para uma criança.

O rosto de Arthur estava fechado.

— Toda essa bagunça é obra daquela menina? — a voz do pai estava imersa em desprezo.

— Na verdade, toda ESSA bagunça é obra sua, pai. Não se lembra de como organizou um banquete para comemorar a construção das muralhas? — Davi tinha os braços abertos, em um gesto que tentava abranger tudo a sua volta.

— Refiro-me à bagunça que você está, Davi.

— Ah, essa bagunça! — Davi forçou um ar de compreensão. — Bom, foi aquela menina sim, pai. Aquela e todas as outras que se matam de trabalhar para só quase morrer de fome e de sede. Aquelas que na falta de alguma outra coisa melhor, foram obrigadas a ter coragem. Aquelas que o senhor ignora, fingindo não serem pessoas para justificar o seu governo. Por ESSA bagunça, pai, sou muito grato.

— Você está cego — Arthur balançava a cabeça, energicamente.

— Eu era. Deixei de ser quando quis começar a enxergar.

— Já que é tão honesto e altruísta agora, Davi, diga-me: o que Anabele pensa sobre namorar o filho do presidente malvado?

A pergunta causou o efeito esperado. Davi desviou o olhar.

— Não me diga que ela não sabe. E como você planeja criar seus filhos? Eles ficarão uma semana aqui e outra na província?

As palavras de Arthur eram facas afiadíssimas.

— Eu contarei a ela. No momento certo.

— Mas que sorte a sua! — falou Arthur, sorrindo. — Acho que o momento chegou, Henry.

Sombras do MedoWhere stories live. Discover now