Capítulo 30

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Haviam finalmente parado. Estavam no meio da multidão que se jogava contra o portão de entrada para a capital. Mesmo com todo o esforço por terem corrido tanto, o frio não havia passado.

As criaturas continuavam voando, aos berros, causando calafrios em qualquer ser vivo. Ninguém havia, contudo, desmaiado dessa vez. Quanto aos desaparecimentos, talvez continuassem, Anabele não podia ter certeza.

Em meio ao caos, muitas pessoas gritavam por familiares e amigos, mas era impossível saber quem estava preso em casa, quem corria em direção à capital e quem já estaria morto.

Morto. Anabele sentiu a bílis chegar à garganta novamente. O que significava a morte através das criaturas? Tinha a impressão de que jamais esqueceria a cena de Clara morrendo...

Se fechasse os olhos, poderia ver claramente a companheira de província sendo erguida por um tentáculo monstruoso e tendo algo imaterial e de um odor quase insuportável sugado de si pelos buracos em que deveriam estar os olhos do ser. Ao mesmo tempo, um grito sobre humano fora emitido da garganta de Clara, embora Anabele soubesse que aquela voz, tão assustadora quanto a da própria criatura, não pertencia à colega.

No minuto em que silenciara, sua pele começara a adquirir uma coloração diferente e seu corpo enrijecera.

Sendo arrastada pela mãe, Anabele percebera, surpresa e sem fôlego, que Clara estava sendo congelada. A expressão de horror em seu rosto estaria eternizada naquela grotesca escultura, se a criatura não tivesse apertado a volta de seu tentáculo. Em um segundo, a moça havia se transformado em incontáveis pequenos pedaços de gelo arremessados em todas as direções.

O ser gritara e levantara voo.

Qual seria a explicação plausível para o que vira? Haveria uma?

Com a compreensão dos fatos, ou melhor, com a constatação de que eram eles incompreensíveis, o medo aumentava. Esse não era o causado pelas criaturas, mas um medo racional, manifestação do seu instinto de sobrevivência.

Forçou-se a clarear a mente e tentar organizar os pensamentos. O que sabia sobre a atual situação?

Indubitavelmente, precisavam não ser tocados pela criatura ou virariam água congelada. Que ironia. Em outras circunstâncias, seria motivo de celebração o surgimento ainda que inexplicável de água na província, mas não quando vinha do corpo despedaçado de alguém. Bom, pelo menos Anabele esperava que não tivessem atingido esse nível de desespero.

Lembrou-se do fogo e olhou ao redor. Sua pequena estatura impedia que visualizasse algo além das cabeças de ordinários que a rodeavam. Ficou na ponta dos pés, mas não obteve sucesso.

— Vincent, há fogo por aí?

O amigo olhou ao redor.

— Pouco.

— E fumaça?

Sombras do MedoWhere stories live. Discover now