Capítulo 11

11 2 0
                                    

— Obrigado, senhores, por se reunirem de pronto neste conselho! Não me esqueci da hospitalidade que devo a cada um de vocês, mas suas famílias e vizinhos já estão sendo instalados. Assim que terminarmos essa conversa, os senhores poderão passear pela bela terceira capital, cúpula dirigente do mundo, e descansar para as comemorações de amanhã. Porém, receio que neste momento, assuntos urgentes demandem nossa atenção imediata.

Arthur estava impecável! A barba feita naquela manhã deixava a pele lisa e os olhos cinzas em evidência. O cabelo, outrora escuro, agora já grisalho, estava penteado e cheirava a xampu feito a base de flores raras da capital.

Trajava uma camisa azul clara, calça preta e gravata prateada. Sentava-se ereto na ponta da grande mesa, com as mãos sobre ela cruzadas e apresentava o olhar firme, que todos ali respeitavam.

Nas duas laterais da lustrosa mesa, sentavam os quatro grandes líderes das outras regiões: Rodrik, da primeira; Leonard Pierre da segunda; Vitório Vaste da quarta e Yudi Folie da quinta, além, é claro, de Marcus.

Haviam começado a chegar naquela manhã, e agora, no final da tarde, estavam finalmente reunidos, por ordem expressa de Arthur, na sala de reuniões anexa ao seu escritório particular.

Além da grande mesa em torno da qual se reuniam, televisores enfeitavam as paredes. Uma segunda mesa de vidro, sobre a qual havia somente um pequeno controle, também de vidro, situava-se a alguns metros de onde estavam reunidos, na parede oposta à gigante janela.

Marcus havia sido encarregado de se certificar de que fizessem uma breve refeição e se dirigissem para a sala de reuniões.

— Davi está de volta, Senhor? — perguntou Rodrik, o menor e mais gorducho dentre eles. Vestia uma camisa verde em que se viam grandes manchas de suor. Sua careca brilhava.

O maxilar de Arthur ficou rígido, mas ele logo respondeu:

— Ainda não.

— Achei que com a minha notícia enviada há alguns dias, ele já estaria aqui. Não acho que seja seguro...

Arthur o interrompeu, com um tom de voz que não permitia novas discussões:

— Ele estará de volta para o banquete.

Mas já era tarde demais. O presidente percebeu que os demais líderes haviam notado a existência de uma notícia — reportada por Rodrik — que desconheciam.

Foi Vitório, um homem sério, disciplinado, antigo militar e que pouco falava, que perguntou:

— Se me permite a pergunta, senhor, que notícias são essas?

Vitório tinha a cabeça quase raspada, em que se viam fi os curtíssimos escuros e olhos castanhos também escuros. O rosto angular tinha feições fortes e uma cor âmbar. Em pé, era da altura de Arthur, porém com ombros mais largos. Vestia-se todo de preto, apenas com uma gravata azul-marinho.

O presidente olhou para todos, e então para Rodrik e fez um sinal afirmativo com a cabeça. O líder então contou sobre o interrogatório do ordinário e o que havia sido relatado por ele.

Quando terminou, um silêncio profundo instalou-se. Em todas as regiões as mesmas coisas vinham acontecendo. Desaparecimentos de ordinários, gritos sobrenaturais, pesadelos, frio e medo em toda parte.

Até mesmo do lado de dentro das muralhas.

Contudo, nenhum dos líderes, nem mesmo Arthur, possuía notícias tão alarmantes, quanto as trazidas por Rodrik.

— Achei que tivéssemos concluído no último conselho que os desaparecimentos eram de alguma forma obra dos próprios ordinários, como parte de algum plano para chamar nossa atenção — falou Leonard, o mais velho dentre os líderes. Era um senhor já de idade avançada, com a feição perdida em rugas. Tinha olhos azuis um tanto quanto opacos e cabelo muito branco. Vestia-se inteiramente de branco, desde os sapatos até a camisa que cobria sua saliente barriga, o que lhe dava uma aparência sem vida.

— Sim, tínhamos. Mas agora temos novas informações a serem levadas em consideração que apontam para uma ameaça muito maior do que a revolta dos ordinários. E foi por essa razão que os convoquei.

— Mas essa estranha criatura pode muito bem ser invenção de um velho caduco — disse, entre risinhos nervosos, Yudi. Era uma mulher extremamente magra, de uma volumosa e longa cabeleira ruiva e olhos castanhos. Tinha o rosto coberto por sardas e uma voz estridente. Era a única mulher no conselho e alguns diziam que não era muito equilibrada, e por isso mesmo, talvez a mais perigosa dentre os líderes. Sentia um estranho prazer com as mortes causadas por inanição e desidratação dos ordinários.

— É evidente que não acreditei — disse, rigidamente, Arthur. — Uma história absurda como essa, contada em um momento de agitação, por um único ordinário, não deve causar efeitos sobre as capitais. Contudo, antes que qualquer dos senhores chegasse até aqui na noite de ontem, um fenômeno que não poderia ser provocado por qualquer ordinário, por mais brilhante que fosse, aconteceu dentro das muralhas desta mesma capital. Marcus, mostre.

Marcus levantou-se e caminhou em direção ao controle de vidro. Pressionou um único botão. Uma projeção de imagens começou a tomar forma sobre a mesa de vidro.

— Essa é uma gravação feita por um singular, de sua cobertura, dos acontecimentos de ontem à noite — explicou Marcus.

As imagens mostravam fogo em uma das praças da capital que, aparentemente, não queimava nada. Não havia também nada que o estivesse alimentando.

As chamas subiam por muitos e muitos metros e tinham uma coloração escura que variava entre o vinho, marrom e o preto. A fumaça era negra e parecia mais grossa do que uma fumaça comum.

Seu movimento também não era normal. Parecia programada para seguir em determinada direção. E aquela se movia em direção às muralhas.

Era possível saber que o responsável pela filmagem tremia e respirava ofegante.

Outras pessoas começavam a gritar.

E então acabou. Por algum motivo, quem quer que estivesse gravando as imagens, havia desistido.

A sala mergulhou em um profundo silêncio. Arthur notou que os líderes se remexiam nas cadeiras acolchoadas.

Yudi soltou uma gargalhada.

— Essas chamas têm a cor do meu cabelo. São lindas!

Os outros estavam ainda chocados demais com o que viram para prestarem atenção ao comentário da líder.

— E o que aconteceu depois disso? — perguntou Leonard, com sua voz pausada.

— Nada. As chamas continuaram altas por mais alguns segundos e a fumaça ultrapassou o limite das muralhas. Não sabemos até aonde. Alguns minutos depois, a fumaça retroagiu e as chamas começaram a minguar — respondeu Marcus.

— Talvez seja o momento de acreditarmos que o depoimento do ordinário tenha algum fundo de verdade — opinou Rodrik, passando a mão no rosto, que agora gotejava, ainda que a sala estivesse sendo refrescada artificialmente.

— É certo que isso foge à nossa compreensão nesse momento. Mas daí a acreditar que uma criatura jamais antes vista seja a responsável, é um longo passo — respondeu, friamente, Leonard.

— Como mais o Senhor explicaria o que vem acontecendo?

A discussão foi interrompida por alguém que batia na porta. Marcus olhou rapidamente para Arthur e se dirigiu para abri-la. Saiu, encostando-a atrás de si.

Alguns instantes depois, foi até o presidente e falou algo baixo para que somente ele pudesse ouvir.

A cor do rosto de Arthur fugiu por um minuto e os líderes poderiam jurar que uma sombra de medo cruzara seu rosto.

Marcus afastou-se e saiu da sala rapidamente. Arthur levantou-se, reassumiu seu ar de liderança e pronunciou pausadamente, como se ele próprio precisasse digerir a informação.

— Receio que Rodrik esteja certo, senhores. Acabo de receber a confirmação.

Sombras do Medoحيث تعيش القصص. اكتشف الآن