Capítulo 5

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Anabele não sentia vontade alguma de voltar para

casa. Caminhar sobre o terreno maltratado e seco da província também não lhe agradava, mas não conseguia se conformar com o fato de que após trabalhar, trabalhar e trabalhar, sua única opção para finalizar o dia era adormecer com medo dos iminentes pesadelos.

Gostaria de ao menos poder caminhar com o dono daqueles lindos olhos cor de mel. Desconfiava que se pudessem fazê-lo, ela fi caria ainda mais feliz do que o amigo.

No entanto, Anabele tinha consciência de que poderia ser perigoso. Em um mundo sustentado por amarras de regras autoritárias, a liberdade surge tão controversa quanto o amor. E tudo o que se almeja, é um oásis no deserto, mas usufruir dessa liberdade, arriscar prová-la, poderia ser fatal.

Contentava-se, portanto, em perambular sozinha e a gastar o restante de suas energias e de sua esperança enquanto observava o lar dos ordinários. Se fosse sincera consigo mesma, porém, admitiria que esperava encontrar Henry em suas caminhadas noturnas. Sabia que ele compartilhava desse mesmo hábito. Apesar de suas piadinhas irritantes, era somente perto dele que conseguia sossegar o coração, ainda que fosse também em sua presença que o coração disparasse.

Talvez a quantidade mínima de água estivesse deixando-a louca, ou talvez estivesse com algum problema cardíaco. Não poderia cogitar qualquer explicação mais plausível.

Anabele estava a ponto de desistir de sua espera silenciosa e inadmitida quando o avistou surgindo de onde as muralhas fugiam de vista no lado direito. Vestia o sorriso de sempre e uma camisa que não importava.

— Olá — cumprimentou, com seu sorriso abrindo-se ainda mais.

— Olá.

A resposta singela de Ane era, naquele momento, uma tentativa, fruto de grande esforço, em esconder a alegria por tê-lo encontrado. Seu coração estava certo ao desejar que caminhasse. Será que ele sabia que de fato encontraria Henry? Será que o coração dele também a estava procurando?

— Não gostaria que mais ninguém sumisse, é óbvio, mas outro grito daquele não seria nada mal agora.

— Do que você está falando? — perguntou Anabele, confusa.

— Ou eu poderia simplesmente te abraçar sem desculpa nenhuma — continuou, como se não houvesse sido interrompido.

Anabele engoliu em seco e deu um passo para trás, fazendo-o rir. Controlem-se, ordenou às próprias pernas.

— Relaxa, Ane — encarou-a, com os olhos cinza brilhando. — Ainda não pode contar sobre todo esse pelo na sua roupa?

A tensão que emanava de seu peito acalmou-se, porém sua postura fi cou rígida. Aquele era um território perigoso e extremamente íntimo.

— Não, não posso.

— Há quanto tempo a gente se conhece? Cinco, seis meses? — indagou ele, caminhando a passos curtos e chutando pedrinhas que encontrava em seu caminho. Seus olhos estavam tão calmos quanto poderiam os olhos de um ordinário estar.

Ane relaxou e finalmente conseguiu olhar dentro deles.

— Acho que sim. Por aí.

— É um tempo razoável — caminharam em silêncio por alguns instantes. — Tenho uma proposta.

 — Que tipo de proposta?

— Uma troca! — disse Henry.

As sobrancelhas de Anabele se uniram em uma expressão de dúvida. Todo minuto com ele era motivo para se surpreender.

— Estou escutando.

Henry respirou fundo e começou a explicar.

— A sua parte consistiria em colocar a armadura de lado.

— Que armadura? — Anabele não pôde evitar o riso, imaginando onde ele queria chegar.

— A que você usa quando eu me aproximo. E não tente negar!

Ane riu, esquecendo-se por um instante de que o coração não reagia normalmente em sua companhia. Estava à vontade... e leve.

— Eu não vou negar.

— Então, você admite? — Era ele quem tinha uma expressão de surpresa agora.

— É, admito. Mas a culpa é sua.

— Por que a culpa é minha? — Henry gargalhava. Parecia divertir-se, como se não houvesse nada capaz de infringir-lhe preocupações. Anabele também riu, mas era o som da risada dele que a divertia.

— Você me dá medo.

— Com tudo de ruim que está acontecendo, sou eu que te causo medo? Você é estranha!

Ane o encarou, mas afastou os pensamentos balançando a cabeça.

— E qual a parte que cabe a você, Henry?

— Achei que estivesse claro... Você vai poder usufruir da minha companhia sem limitações. O que mais você poderia querer?

— Você é um idiota — Anabele respondeu, séria. Diante do sorriso faceiro de Henry e dos saltos que o coração descontrolado dava, acrescentou, enquanto se afastava a passos firmes. — Obrigada por me lembrar disso.

Caminhou sem olhar para trás, irritada com sua pretensão e consigo mesma por não odiá-lo por isso. Contudo, a esperança de que ele a alcançasse e mostrasse-lhe uma única razão para fi car, ainda que tivesse outras mil para partir, não lhe abandonou, até que entrou em casa decepcionada.

O passeio estava acabado, e mais uma noite de coração ansioso e inquieto se iniciava. O sentimento novo que experimentava com Henry era uma corrida irregular de emoções... As expectativas e decepções se reiteravam indefinidamente, e ainda assim, nunca se sentia preparada para nenhuma delas.

Mas se Anabele houvesse olhado para trás, enquanto voltava para casa, teria visto Henry dar um passo em sua direção antes de sentir o peito doer.

Teria visto que o rapaz decidira não segui-la, porque notara que ela respirava normalmente à distância, e que isso era um alívio para ele.

Teriao visto correr em direção ao portão da capital e agarrar as grades enquantosufocava.

Sombras do MedoWhere stories live. Discover now