Capítulo 24

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Davi deixava mais objetos caírem do que propriamente selecionava alguns para levar. Estava em uma das cozinhas do palácio e a energia já havia voltado, por conta de alguma espécie de gerador existente na capital.

Abria todos os armários, refrigeradores e gavetas que cruzavam seu caminho e jogava tudo o que pudesse ser ingerido dentro de uma mochila que pegara de seu antigo quarto.

Já havia separado garrafas de água, de leite e de suco, além de pães das mais diversas qualidades, frutas, sanduíches prontos, queijo e chocolate. Havia ainda colocado dentro de um refratário pedaços de carne cozida com batatas.

Decidiu que aquilo seria o suficiente por ora. Virou-se para caminhar em direção à porta que saía do cômodo, mas deteve-se. Tinha companhia.

Gastou apenas um segundo para recuperar a expressão tranquila e sarcástica.

— O senhor na mesma cozinha em que ordinários trabalham, pai?

Arthur pareceu divertir-se com o tom da indagação.

— Você fala como se não tivesse sido criado aqui, não tivesse sido protegido pelas muralhas que os ordinários deram a própria vida para construir ou não tivesse sido servido por suas mãos calejadas. Não me lembro de tê-lo escutado reclamar em vinte e cinco anos.

Davi irritou-se.

— O senhor sabe que nunca concordei com a forma de construção dessas muralhas.

— Sim, claro. Lembro-me de seus protestos. Seus protestos que nunca passaram de palavras cuspidas, cujo significado você nunca apreciou. Palavras jogadas ao vento, Davi, palavras ao vento.

Davi não se lembrava de ter se sentido tão irritado em toda sua vida. Aquelas palavras o afetaram tanto, que não conseguiu responder com o sarcasmo que intencionava.

— É errado, pai.

Arthur encarou o filho. Os olhos idênticos demonstravam sentimentos diferentes. Uma curiosidade divertida cintilava nos olhos do presidente.

Davi, por outro lado, estava aflito, desesperado pela ajuda da figura paterna e da figura autoritária que conviviam no mesmo homem grisalho a sua frente.

— Começo a acreditar que você está falando sério.

Davi não respondeu. Colocou a mochila nas costas e deu um passo em direção à porta.

Arthur retirou uma das mãos do bolso e estendeu-a a frente do filho, tocando seu peito.

— Espero que toda essa despesa seja para um grande piquenique em seu quarto.

Davi tentou dar mais um passo, mas o braço do pai estava firme.

— Você não pode me impedir — falou finalmente.

Arthur gargalhou.

— Você acha mesmo que eu governaria o mundo inteiro se não pudesse prever os passos do meu próprio filho?

Davi o encarou.

— Não se esqueça de que fui eu quem mandou abrir a passagem que une capital e província da terceira região para que você pudesse descobrir informações para nós, singulares — Arthur enfatizou a última palavra. — E agora fui eu também quem mandou fechá-la.

— Você não... — Davi levou as mãos à cabeça e começou a caminhar pelo lugar.

— Quando fui informado de que ela havia voltado para a província, soube que ou você sairia também ou ela entraria de novo. Bom, tomei precauções para impedir ambas as hipóteses.

Davi sentiu lágrimas chegarem aos olhos, mas optou por socar a parede. Percebeu seu sangue decorando-a.

— Pai — disse, pausadamente. — Anabele está me esperando. Por favor.

— Bom apetite — disse Arthur, sorrindo e afastando-se.

Sombras do MedoWhere stories live. Discover now