Episódio 09 - Agda: Conexões I: Rompimento

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- Eu ainda não entendo. Não sei se serei capaz de entender. Nós te avisamos, confiamos em você!

- Eu não...

- Eu não quero te ouvir. As tuas escolhas me causam dores. Te sentir perto me causa dor!

- Mãe... - Eu disse aos prantos, ela me interrompeu uma vez mais.

- Não, uma mãe é aquela a quem a sua prole se subordina. Você nunca respeitou a sabedoria dos que vieram antes, nunca se subordinou às minhas ordens. Eu não consigo mais fazer isso. Eu rompo aqui todo e qualquer vínculo que possuímos. Eu me envergonho do laço de sangue que compartilhamos nesta vida, me envergonho de ter sido o instrumento das entidades para que você viesse à existência!

Meu pai sempre foi meu ponto de apoio emocional, perdê-lo significou a morte de todas as minhas referências sobre o que era ter uma família. A intransigência da minha mãe nos levou à ausência do diálogo, e a ausência deste, à de afeto. Sua concepção da devoção que eu deveria ter àqueles que vieram antes de mim me violentava com o silenciamento. Mais uma vez ela não me ouviria se eu tentasse me expressar, mais uma vez ela julgava a minha falta de experiência em vida como um símbolo de inferioridade.

- Eu sei da responsabilidade que eu tenho nisso tudo! Eu perdi o meu pai e agora você está me condenando a perder a minha mãe também. Se essa é a sua escolha para lidar com a situação, saiba que eu também vou lidar à minha maneira e você nunca mais ouvirá a minha voz de novo.

- Essa sim é uma decisão sábia. - Disse ela com convicção.

Eu não tinha o que levar dali. Sem tempo a perder me virei e saí pela porta da casa para a qual eu jurei jamais voltar. Os céus lavavam a vila com as águas da troca de estação, eu também me deixei ser limpa de todos os sentimentos com os quais decidi romper. Eu estava sofrendo, a perda era recente e as minhas escolhas deixaram máculas na minha alma que me acompanharam enquanto eu vivi, mas eu não precisava de alguém que tornasse aquele momento mais doloroso do que ele deveria ser.

Andando pelas ruas molhadas do vilarejo eu percebi os olhares de julgamento de todos ali. Eles me marcaram como a responsável pela morte do meu pai, mas não se esforçaram para reconhecer a menina que teve seu corpo violado por uma entidade sádica. Ninguém tentou entender como as coisas aconteceram comigo. Eu carregava mais culpa do que aqueles a quem a responsabilização era justa: A Nação Exilada.

Percorri as estradas do Norte sem ver o tempo passar, a ausência da lua no céu foi a única lembrança que eu levei daquele percurso. Minha mente se ocupou com a dor e com o desejo de me distanciar do Vilarejo da Fronteira, havia em mim o ímpeto de deixar tudo para trás. Andei sem destino até a longa estrada de terra dar lugar a um caminho coberto por pedras soltas, foi quando avistei a grande cidade iluminada que eu observava do topo da árvore.

- Identifique-se! - Um guarda ordenou. Ele estava parado próximo aos muros da cidade.

- Me chamam Agda, sou apenas uma viajante e vim do vilarejo ao sul.

- Você está viajando sozinha? O que procura aqui?

- Apenas um lugar para esperar a vinda do sol, estou de passagem. - Foi a primeira resposta que me veio à mente.

As tochas do muro iluminaram o sorriso estranho que ele esboçou:

- Pela paga certa, posso recebê-la em meus aposentos.

- Eu não tenho o que lhe ofertar em troca, apenas quero passar, por favor.

- Uma bela jovem como você sempre tem algo a ofertar.

Meu corpo não tinha atingido a maturidade de uma mulher e ele claramente me excedia em eras. Sua resposta me causou repulsa. Não havia outros guardas à vista quando a ideia surgiu. Sem tirar os olhos dele, apanhei lentamente duas pedras do tamanho do meu punho e lancei uma delas contra o oficial. Ele se defendeu com os braços e abriu guarda para questionar o ataque inesperado, foi aí que a segunda pedra lhe acertou o elmo que se chocou contra o muro. Atordoado, ele se ajoelhou procurando apoio no solo, eu me aproveitei da situação e parti para cima dele. Com um salto tomei impulso em seu corpo em uma tentativa bem-sucedida de alcançar o topo do muro. As mãos firmes nas beiras sustentaram meu peso quando lancei as pernas por cima das pedras frias. Antes de pular para o outro lado, respondi:

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