Episódio 23 - Liera: Preservação

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- Senhora!

- Não!

Os guardas gesticularam com as mãos iniciando uma performance qualquer, eles estavam dispostos a cumprirem as ordens de Salazar a qualquer custo. Blocos de pedras foram arrancados do solo com as magias elementais e atirados contra mim, eu os desviei com as mesmas energias que os ordenavam e devolvi o ataque com uma performance combinada de lâminas de ar encantadas com a pressão de Leona. Um guarda desviou, o outro não foi tão rápido, o choque do corpo contra a parede partiu o elmo que ele vestia.

Mais guardas surgiram para a contenção da regente rebelde, mais energia eu desprendi reordenando uma parede inteira para minha própria preservação. As partes soltas eram diversas, blocos inteiros e outras menores que funcionariam bem como projéteis, o desmonte da estrutura externa que se recriou diante de mim me conferia certa proteção. O grito de dor me ajudou a suportar a força empregada para mover a parede remontada contra meus ofensores que resistiram do outro lado. Enquanto eu media forças com parte dos soldados, um outro grupo surgiu do teto através de aberturas que eles próprios fizeram no firmamento acima.

- Protejam os civis, defendam a nação! - Gritou Irina.

Algo me prendeu pelas pernas, talvez um chicote conjurado por algum soldado. O portador não precisou de muita força para me derrubar, a queda sobre o corpo infectado me causou mais dor do que eu deveria sentir. Eu perdi o controle sobre as pedras e a parede se desfez liberando a passagem. Eu estava indefesa e Irina sentiu aquilo, Kaú também permaneceu conosco. Ouvi um sussurro que precedeu o fluir das energias da invocação, que por sua vez foi anterior ao tilintar das espadas que Irina passou a empunhar. A anciã foi ao meu socorro saltando sobre os homens de Salazar, suas lâminas eram a minha única linha de defesa e eu estava em boas mãos, ela combatia a meu favor como se sua própria vida corresse perigo.

Kaú recitou as palavras da Conversão e tornou em pó as armaduras dos guardas, manipulando os elementos que as compunham em suas estruturas mais fundamentais. Os corpos expostos foram alvos fáceis para Irina e sua maestria na luta, os cortes rápidos fizeram os soldados recuarem. As feridas superficiais foram acentuadas pela performance da Anticura do ancião curandeiro que induziu os ofensores a uma sensibilidade maior a dor.

Eu procurei por Ywanka e Vernae e os encontrei facilitando a fuga dos últimos civis presentes, eles deixaram a torre e acompanharam o grupo para garantir a segurança dos súditos conforme as instruções da líder invocadora. Eu tentei me levantar em vão, a pele apodrecida dos meus braços escorria pelas mãos se desprendendo da minha carne. A dor superou o ferimento pela flecha que me causou aquilo, superou os sentimentos adoecidos pelas mortes de meu pai e de Anna também.

Eu tentei me concentrar em qualquer coisa, mas foi impossível, eu estava perdendo os sentidos. Eu ainda ouvia as espadas, eu sentia a movimentação ao redor quando alguém me puxou pelo ombro virando meu corpo. Era Cassius. Uma frase saiu de seus lábios, uma performance tão potente que várias veias saltaram em seu rosto. Eu busquei com os olhos a defesa de Irina e vi que tudo estava parado. O tempo atendeu ao chamado do conselheiro destituído e ali naquela torre ele corria apenas para nós dois. Mais uma vez seus lábios se movimentaram e meu corpo levitou pela sala. Minha visão se fixou no sangue que lhe escorria pelos olhos, um olhar que expressava o seu desejo pela punição da regente que lhe feriu profundamente o ego.

Cassius me arrastou pelo ar até a borda da abertura deixada pela estrutura que eu reordenei, com a outra mão puxou para si uma das espadas de Irina. Ele era um artista, um performista cuja delicadeza não se assemelhava a nenhum outro. O gesto gracioso dos dedos na manipulação do instrumento de corte sugeria requinte, o pulso firme que me mantinha em suspensão era a evidência da sua força. A comunicação gestual expressava a essência de sua identidade em combate, força e graça articulados para um embate majestoso. Meu corpo foi colocado para fora da torre com meu rosto voltado para o azul do céu, eu não senti o calor do sol na pele apodrecida. A lâmina flutuante repousava em minha garganta, meu algoz precisava da garantia de que eu morreria ali, pela espada ou pela queda.

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