Episódio 14 - Liera: Traição

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- Acalme-se! Tente ficar parada! - Kaú tentou me tranquilizar, ele avaliava a reação do meu corpo à ferida no ombro.

- Eu preciso... - A dor aguda ainda me impedia de levantar - Eu tenho responsabilidades a cumprir!

- A tua responsabilidade é a recuperação! Não se esforce tanto!

A despeito da dor e das recomendações do ancião curandeiro, eu me forcei a deixar o leito para caminhar entre os vários feridos. A ordem foi dada para que os sobreviventes do último ataque fossem tratados dentro do palácio contrariando os protocolos de segurança. Meus olhos repousaram em Tagi, eu me aproximei da garota para testemunhar seu estado de quase morte.

- Liera, retorne ao descanso em teus aposentos. Podemos continuar em outro momento, nada aqui te fará bem!

- Ela está fraca demais... O que você pode me dizer sobre o estado da garota?

O jovem ancião suspirou e me olhou com o semblante carregado de preocupação. Ele me conhecia muito bem tanto pela nossa relação hierárquica, quanto pela amizade que mantínhamos desde que ele foi nomeado pela entidade. Pelos cuidados que Kaú almejava prestar a mim, ele se absteria de me responder para não me causar maiores preocupações, exceto se aquela fosse uma ordem direta.

- Você me questiona como uma amiga ou na condição de minha regente?

- Eu te questiono na condição de responsável pela proteção do povo a quem nós dois servimos.

- Ela está particularmente mal... A cura parece surtir algum efeito sobre o ferimento, porém não na velocidade esperada. Vê essas marcas e essa substância viscosa? A pele e a carne estão sendo consumidas pela infecção causada pelos espinhos dos executores. Isso é muito diferente de tudo o que já testemunhei.

- E isso é um padrão?

- Existe um padrão, sim, a infecção se espalha pelos corpos corroendo... tudo.

Uma pausa desconfortante antecedeu minha próxima fala:

- Entendo. Então creio que...

- Não! O teu corpo não reagirá da mesma forma, você é uma anciã! O tempo e as entidades estão ao teu lado! Eu vou achar a cura!

Mesmo que o meu corpo resistisse à infecção, eventualmente ele seria consumido pela ferida crescente que matava a minha carne. A dor latente no ombro perfurado contaminava aos poucos outras partes próximas, eu olhei ao redor e presenciei corpos acometidos quase em sua totalidade pela mancha escura que se alastrava. Uma jovem praticante de magia com certeza sucumbiria antes de uma anciã, mas todos ali estávamos condenados ao mesmo destino. Naquele momento eu senti que falhei, senti que os ministros, anciões e toda a regência de Acalla falhou. Falhas que nem todos estávamos prontos para aceitar. Kaú parecia não compreender as próprias limitações diante da infecção, assim como parecia não aceitar que a cura nem sempre se sobressai à morte. Eu forcei um sorriso para reconfortar o ancião curandeiro e expressei:

- É bom contar com o auxílio do melhor curandeiro do reino.

- É um prazer servir a nação nestes tempos difíceis, minha regente. - O ancião da cura me reverenciou.

Meus conselheiros adentraram o salão reservado.

- Liera! Ser cuidada junto aos súditos não corresponde aos tratamentos previstos para a regente... não se exponha tanto! - Como sempre, meu conselheiro se apressou em questionar a minha autoridade.

- Minha regente, é admirável a tua iniciativa em proteger os teus súditos! É louvável que as atenções dos curandeiros estejam voltadas a todos em condição de igualdade, inclusive a você! - Kassandra atravessou a fala de Cassius encarando-o sem pudor.

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