Episódio 12 - Agda: Conexões II: Reconexão

5 1 0
                                    

- Pelo jeito você ainda precisa de um lugar pra ficar... sabia que ia se dar mal. - O semblante de Calla expôs que ela gostava de estar certa.

- Uma ajuda de verdade seria bem útil pra variar. Mas, e você, o que ganha com isso?

- A gente pensa nisso depois. Pra começar, companhia já é o suficiente. - Nós caminhamos rumo à ala oeste da cidade de Verídia - Me diga, Agda, o que trouxe você à Verídia?

Ela me inspirava certa confiança e havia conexão entre nós, mas me limitei a uma resposta curta.

- Eu não pretendia vir pra cá. Saí sem rumo de uma vila ao sul e acabei aqui. Não tive muita opção senão parar e procurar abrigo. E você?

- Eu vim de Níria, do outro lado das montanhas. Minha família toda pertence ao clã da desmaterialização.

- Foi assim que você desapareceu da estalagem? Se desmaterializando?

- Isso. - Disse Calla ao desmaterializar-se para trás de mim. - Mas eu fugi da minha cidade. Minha família enfrenta vários problemas e mal tem o que comer. Uma pessoa a menos é uma boca a menos para alimentar, acho que assim é melhor.

- Espera, vocês passam fome em Níria?

- Nós passamos por muitas coisas em Níria. Quanto maior a cidade, maiores os problemas que a população enfrenta para acessar coisas básicas. – Nós entramos na ala oeste e eu pude compreender melhor o que Calla estava dizendo - Percebe a diferença das casas aqui?

Não só das casas, a precariedade estava por todas as partes. As árvores iluminadas não existiam ali, sua ausência tornava o ciclo lunar mais denso na parte baixa de Verídia. O descaso se dava por aquele ser um território destinado aos que estavam à margem da sociedade, aos incapazes de darem algum retorno para a cidade exercendo funções de valor. Calla completou:

- Não interessa do que você precise, se você não serve à nação, a nação não te serve.

E a nação não te protege. Eu pensei muito sobre a responsabilidade da regência de Acalla no incidente com meu pai. Eu ouvi vez ou outra sobre a dificuldade das tropas em defender nossas terras contra os ataques isolados dos rebeldes, a liderança da nação nunca enviou os reforços necessários para a proteção adequada da fronteira. Os exilados provavelmente também perceberam isso quando resolveram testar nossa resistência com uma ameaça mais forte. Ali comecei a entender, a despeito de tudo o que eu pensava até então, que o Vilarejo da Fronteira não tinha serventia alguma para Acalla e por isso os reforços nunca chegavam. Nós provavelmente nem existiríamos se não fossem os meios que desenvolvemos para garantir nossa própria subsistência.

- Entendo. E foi aqui que você encontrou auxílio?

- Achei que aqui embaixo seria um lugar melhor para me esconder depois que a velha da estalagem me enganou. Eu quebrei uma janela por vingança e ainda vou lá roubar comida quando tenho fome. Isso colocou os guardas atrás de mim, mas eles nunca descem aqui, então aqui estou.

- Certo, mas você está abrigada em uma casa ou algo assim?

- Estou. Eu dei sorte, um senhor que também pertenceu ao clã da desmaterialização me encontrou e me deixou ficar em sua casa após ouvir minha história.

Aquilo me deixou desconfiada. Ela prosseguiu:

- Ele se compadeceu de mim, as ruas aqui de Verídia são perigosas demais. Nós nunca sabemos quem está andando entre nós ou em quem confiar.

Nós paramos na última rua da ala oeste, diante de uma casa tão deplorável quanto os portões que deveriam proteger aquela parte da cidade. Na entrada um pedaço grande de madeira bloqueava a passagem. Como todas as demais construções das redondezas, as paredes foram erguidas com blocos únicos de pedra ao invés do padrão dos edifícios da parte superior, com seus blocos menores empilhados cuidadosamente um a um.

AcallaWhere stories live. Discover now