Acalla

Episódio 22 - Agda: Morte

- Você está certa disso?

- Eu não teria me arriscado tanto se não tivesse absoluta certeza. O lobo é apenas parte de um esquema maior para a tomada do trono de Acalla pelos exilados. E pela sequência dos fatos, está próximo de acontecer!

- Todas as cidades sofreram baixas e os homens que restaram estão com a sua coragem posta à prova.

- E ainda há um traidor no palácio. Se realmente não for você... – Salazar me olhou com reprovação – a sua equipe tem mais esse problema para resolver.

Um tremor interrompeu o nosso diálogo. O castelo acima de nós pareceu uma montanha em erupção.

- Isso é...

- Só pode ser o ataque! – Salazar estava certo.

O ministro não tardou em agir. Estendendo as mãos ele conjurou seu elmo e a espada que lhe completaram a armadura. Após encaixar o capacete, ele ordenou:

- Você precisa ir. Toma, pegue isso e parta o mais rápido possível. Se algo aparecer no teu caminho, enfrente. Eu vi o teu potencial e confio nele, soldado Agda!

Ele me entregou uma runa da metamorfose e correu para a porta, mas antes de cruza-la ele parou por um breve instante e me olhou por cima do ombro quando disse as palavras que há muito eu desejava ouvir:

– Você sabe? O seu pai estaria orgulhoso! Ele era um bom homem e criou uma boa filha.

Eu queria ter tido o tempo devido para apreciar aquelas palavras, ouvi-las foi de um valor inestimável para mim. Eu suspirei fundo e deixei a cela, me deparei com uma área circular e não havia saídas ali. Procurei uma rota de fuga e tudo o que encontrei foram algumas celas vazias como a que eu estava, apenas duas guardavam prisioneiros torturados em seus próprios infernos astrais. Como Salazar deixou o lugar tão rapidamente? Outro tremor e o sexto nível pareceu não estar preparado para mais um. A magia presente no local perdeu parte da força. O ar ficou denso quando a umidade se elevou, eu senti algumas gotas de água recaindo sobre mim enquanto os trovões anunciavam a chegada da tempestade. Olhei para cima e vi que do centro da sala havia água em abundância transpondo a materialidade do teto. A saída estava escondida por magia de ilusão. O enfraquecimento da magia permitiu que a água da tempestade entrasse no recinto, mas manteve a passagem invisível aos olhos. Não havia escada alguma à disposição e eu só tinha uma forma de acessar a parte externa:

- Saiam do coração das montanhas e do mais alto dos céus; do leito de rochas escaldantes à composição deste corpo frágil e mortal. Desejo a dureza e a agressividade, o alçar do voo incandescente que me elevará à liberdade... e à guerra!

A runa se desfez em sincronia com o surgimento das asas cobertas por lava e escamas queimadas, sólidas como as rochas vulcânicas e agressivas como seus portadores originais. Senti que não foi apenas o meu corpo que mudou. Eu escolhi aquilo, acessei a metamorfose por escolha e me mantive em controle do meu próprio corpo. A violação não mais definiria as minhas experiências com aquele tipo de magia.

Eu estendi as asas dos Dragões da Erupção confiando nos meus instintos. Alcei voo e me lancei rumo ao teto que despejava a cascata para dentro da sala. Apesar de não enxergar a saída, eu atravessei a magia da ilusão e alcancei os demais níveis da prisão sem qualquer resistência material. Segui o fluxo da água deixando um rastro de fumaça causado pelo resfriamento das escamas, até me ver livre na área externa do palácio que já estava toda tomada pelo exército da Nação Exilada.

A tempestade estava implacável e o cenário era sangrento. Contornei o castelo pelos céus a caminho da entrada principal, os portais do círculo interno haviam acabado de ceder. Os soldados de Acalla estavam em menor número e vários deles haviam perdido a vida. Não muito longe dali o lobo espectral ocupava Salazar com uma batalha travada nos jardins reais. Meu primeiro impulso foi o desejo de interferir somando forças com o ministro, mas senti que aquela luta tinha um significado muito maior para ele, meu pai seria vingado como todos os outros soldados que estiveram sob os bons cuidados de seu general. O vendaval da tempestade foi sugado floresta adentro, carregando consigo uma quantidade grandiosa de sombras como se estas fossem um elemento concreto. O acúmulo sombrio ganhou altura e vida. Um colosso desperto das trevas marchou para o palácio.