Capítulo 1

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Quatro anos depois

Nos anos que se seguiram à morte de Jim, Julie Barenson de algum modo conseguiu retomar a vida. Mas isso não aconteceu logo. Os primeiros anos foram difíceis e solitários, mas com o tempo sua perda se transformou em algo mais suave. Embora amasse Jim e soubesse que parte dela sempre o amaria, a dor não era mais forte quanto antes. Ela se lembrava das lágrimas e de como a vida se tornara vazia depois da morte dele, mas a dor dilacerante havia ficado para trás. Agora, quando pensava em Jim, era com um sorriso no rosto, grata por ele ter feito parte da sua vida.
Também se sentia grata por Singer. Jim tinha feito a coisa certa ao comprar o cão para ela. De certo modo, o cachorro lhe possibilitara seguir em frente.
Mas neste momento, deitada na cama em uma manhã fria de primavera em Swansboro, Julie não pensava no apoio maravilhoso que Singer representara para ela nos últimos quatro anos. Em vez disso, maldizia a existência dele enquanto se esforçava para respirar e pensava: não acredito que vou morrer assim.
Esmagada na cama pelo meu próprio cão.
Com Singer esparramado por cima dela, Julie imaginou seus lábios ficando azuis por falta de oxigênio.

- Levante-se, seu cão preguiçoso - disse ofegante. - Você está me matando.

Roncando profundamente, Singer não deu ouvidos a Julie, que começou a se contorcer, tentando acordá-lo. Sufocando sob o seu peso, tinha a sensação de que havia sido enrolada num cobertor e jogada num lago, como a Máfia costumava fazer com seus desafetos.

- Estou falando sério - disse com dificuldade. - Não consigo respirar.

Singer enfim levantou sua grande cabeça, piscou os olhos e a encarou, sonolento. Por que esse barulho todo? - Parecia perguntar. Não está vendo que estou tentando descansar?

- Saia! - ordenou Julie.
Singer bocejou, encostando seu focinho frio no rosto dela.

- Ok, ok, bom dia. Agora saia.

Com isso, Singer bufou e se levantou, pisoteando varias partes do corpo de julie. Ele ficou mais alto. Mais alto. E mais alto. Um instante depois, assomava em cima dela com um único fio de baba escorrendo da boca, parecendo ter saído de um filme de terror barato. Meu Deus, pensou Julie, ele é enorme. A esta altura eu já devia ter me acostumado com isso. Ela respirou fundo e olhou para Singer, franzindo as sobrancelhas.

- Eu falei que você podia dormir na minha cama?
Singer costumava dormir em um canto do quarto de Julie. Mas nas duas últimas noites havia se esgueirado para a cama e deitado ao lado dela. Ou, mais exatamente, em cima dela. Cão maluco.
Singer abaixou cabeça e lambeu o rosto de Julie.

- Não, não desculpo. - disse ela afastando-o. - Nem tente se safar. Você poderia ter me matado. Sabia que te quase o dobro do meu peso? Agora saia da cama.

Singer gemeu como uma criança amuada e pulou para o chão. Julie se sentou na cama, com o peito e as costas doendo. Olhou para o relógio e pensou: Já? Ela e Singer se espreguiçaram ao mesmo tempo, antes de Julie afastar as cobertas.

- Venha - chamou. - Vou deixá-lo ir lá fora antes de eu entrar no chuveiro. Mas não revire as latas de lixo dos vizinhos de novo. Eles deixaram uma mensagem grosseira na caixa eletrônica.
Singer olhou para ela.

- Eu sei, eu sei - disse Julie. - É só lixo. Mas algumas pessoas são estranhas mesmo.

Singer saiu do quarto e foi até a porta da frente. Julie o seguiu, girando os ombros para relaxá-los. Fechou os olhos por apenas um instante. Grande erro. Ao sair do quarto, bateu com um dos dedos no pé da cômoda. Ela deu um grito e começou praguejar, combinando os mais incríveis palavrões. Pulando num pé só e vestida com seu pijama cor-de-rosa, tinha certeza de que estava parecendo uma versão louca daquele coelho da propaganda da pilhas Energizer. Singer apenas lhe lançou um olhar que parecia dizer: Por que está demorando tanto? Foi você que me acordou, portanto ande logo. Tenho coisas a fazer lá fora.
Ela gemeu.

O GuardiãoWhere stories live. Discover now