Trinta e oito

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Haviam poucos momentos que Tóquio se lembrava verdadeiramente de ter uma família, mas todos eles estavam eternizados em desenhos que ela mesma havia feito. Com a vida tão conturbada depois da chegada de Logan, Ryan, Joseph e as garotas, ela mal teve tempo para rabiscar qualquer coisa. Tóquio percebeu, no entanto, que não apenas os rabiscos em seu caderno haviam perdido sua atenção, mas também a sua casa. Tóquio dormia ali, mas não se dava conta do que acontecia nos outros cômodos do imenso lugar. Mal via Josefine depois de certo momento em sua infância, mas refletindo, ela nunca havia passado tanto tempo sem vê-la ou o seu irmão como nos últimos tempos.

Aquilo a fez bem, de algum modo. Tóquio tinha certeza de que eles eram as primeiras pessoas tóxicas com que ela havia tido contato em sua vida, dentro de sua própria casa, mas nunca, em momento algum, se perguntou o que os levou até ali. Não até aquele dia, não até ver a mulher que a trouxe ao mundo frágil como nunca antes. Pálida, um pouco mais magra, ela estava deitada sobre a cama em posição fetal, lágrimas pesadas escorriam de seus olhos que não se moviam.

Ela estava estática. Parecia em choque.

O coração de Tóquio bateu forte uma única vez, doendo como se rimbombasse o infinito num só segundo.

Edmundo chegou logo atrás da Blake mais nova, os seus olhos tristes e pesarosos sobre sua mãe deitada naquela cama, a sua mente corroendo-a e fazendo-a ruir lentamente.

Dia após dia.

Edmundo estava dernorteado, bravo com o extremo em que as coisas haviam chegado, enquanto Tóquio estava confusa por não saber o motivo daquele extremo.

— Ela estava definhando bem debaixo dos nossos narizes — Tóquio sussurrou, os olhos arregalados ja começavam a lacrimejar.

— Do seu nariz — Edmundo a corrigiu, tristemente.

Tóquio girou o pescoço no mesmo instante, fitando-. A tristeza em seus olhos misturou-se com algum tipo de raiva, Edmundo conseguiu ver o verde pegar fogo.

— Você sabia que ela estava doente, se entupindo daqueles malditos remédios e não fez nada? — a voz de Tóquio soou amarga, irritadiça.

— E você, Tóquio, o que você fez por ela? — Edmundo respondeu ríspidamente.

Aquilo a afetou como ele esperava, pois ela vacilou. Seus ombros ameaçaram cair, mas ela não permitiu.

— Eu fiz o que ela permitiu: — Tóquio balançava a cabeça em negativa levemente, incrédula com a fala de Edmundo — fiquei longe e não causei problema. Não fiz o que pude por ela? Desistir de ter uma mãe para que ela pudesse ser a sua mãe, Edmundo?

Então ele estava afetado, mas Edmundo não previu aquilo. Desviou os olhos.

— Você não sabe de nada.

— É claro que eu não sei — ela concordou em tom amargo.

Desviou a atenção do irmão; conversaria com ele depois. Voltou-se para Josefine se aproximou, mas a mulher estava tão entorpecida que sequer notou as mãos de Tóquio envolvendo-a pelos braços, a movimentando e a tirando da posição fetal que se encontrava. Demorou alguns segundos para que Josefine saísse de algum tipo de transe que parecia se encontrar. Tóquio havia apoiado sua cabeça nos travesseiros antes espalhados pela cama. Josefine olhou para a filha e depois para o filho, estático atrás da Blake mais nova. Josefine reconheceu choque no rosto de Edmundo, mas não tinha força para fingir naquela tarde.

Seu rosto foi tomado por uma careta e ela se contorceu de dor. Algo cortante subia da boca do estômago até o peito, apertando-lhe o coração. Não conseguia falar ou discernir se o que doía era a alma ou o corpo, apenas um ruído escapou-lhe pela boca.

Petricor| RETA FINALWhere stories live. Discover now