Ela

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Folgados.

Eles são muito folgados!

Todo domingo é a mesma coisa. Meu buda. MEU BUDA! No instante em que a última colher de sobremesa entra no bucho desses imprestáveis é dada a largada na corrida de quem consegue mais rápido da mesa. Dez minutos. Esse foi o tempo que gastei no banheiro. Quando voltei não tinha mais uma vivalma na sala de jantar.

Escuto as meninas rindo no andar de cima e os meninos conversando ao redor do minibar. Estão bebendo enquanto brincam de adivinhar o que o irmão está fazendo. Descascando o pepino em um bar? Apostando a berinjela em um cassino? Plantando a própria mandioca em terra infértil? Não tem importância, sempre termina do mesmo jeito: com o desgraçado chorando copiosamente em posição fetal na cama por minha causa, é claro. Há. Há. Eu participaria com uma das minhas pérolas se pudesse me dar ao luxo de ficar de bobeira após o jantar, mas eu não posso, por causa deles, eu não posso.

Nem olha para mim bella, eu fiz o jantar.

Sou paga isso, mas minhas unhas lascam fácil, fácil.

É domingo, até o Senhor descansou no domingo, Is.

Minhas mãos salvam vidas de criancinhas.

As minhas tocam corações. Corações de verdade, Japa.

As minhas só ensaboam modelos.

Eu vou voar, Bela. Preciso estar descansado.

As desculpas podem até variar, mas limpar a cozinha sempre sobra para o meu rabo. Não tem ninguém nela e não preciso de uma bola de cristal para saber que a babá sumiu com o celular, provavelmente para fazer sacanagem no mato com o jardineiro no mato pelo Skype e que meu gifu saiu para dar seu habitual passeio noturno pós jantar pelo jardim. Ele faz isso todo domingo desde que o filho sumiu. Detesto o propósito. É para sofrer sozinho pela saudade que tanto o consome.

Dito e feito.

Estou a meio caminho da pia quando o avisto através das janelas. Ele está parado, apoiado na bengala em frente à estufa, com o rosto voltado para o céu. Pela melancolia estampada em seu olhar, mais uma vez, está observando a sacada do quarto do baka perdido nos próprios pensamentos. Se eu gostasse de apostas, apostaria que está jogando o joguinho bobo do neném com sua amada. Todo mundo joga.

Até o fantasma da mama joga.

Meu gifu se mantém firme na nossa frente, mas quando acha que ninguém está olhando, se afunda em saudade. A grande verdade é que seu coração está morrendo. ¼ dele bate menos a cada dia que esse homem passa sem notícias do filho. Não contei? Não contei que além de não voltar, aquele inconsequente de uma figa ainda nem se deu ao trabalho de pegar no telefone para dizer ao pai que está bem?

Ele não pegou.

Pelo que nós sabemos, ninguém da antiga vida dele recebeu um telefonema ainda. Sabe aquela coisa de filme que a pessoa liga apenas para escutar a voz da outra, se escuta um respirar baixo do outro lado e então do nada a linha fica muda? Nem isso aconteceu. Nada de e-mail, nada de carta e acho que nem preciso dizer que um pombo correio não cagou na mesa de ninguém na JB. Não fico me martirizando com redes sociais, mas o neném confere o Instagram dele toda semana e conta continua igual. Ele excluiu nossas fotos e nunca mais postou nada. Nem um storie.

Ele não quer ninguém sabendo onde está ou que está fazendo. Para resumir? Romeo se espelhou no meu pai e virou purpurina.

Se fosse meu cabrito desgarrado eu seria cuzona de estampar a foto dele em todos os noticiários para fazê-lo passar vergonha onde quer que esteja, mas meu gifu preferiu outra abordagem. Uma mais pacifica. Ele não quis envolver a polícia nisso. Disse que tinha sentido fazer um boletim de desaparecimento para alguém que fugiu de casa como um adolescente rebelde. Embora ficar de mãos atadas me agonie eu não discordo. E se isso chega aos jornais? Nossa amada joalheria não merece ser afetadas publicamente pelas merdas dele. Xavier&Pallace por outro lado, foi envolvida, mas os investigadores particulares caríssimos deles não encontraram nada. Nem mesmo um rastro do Romeo. Ninguém sabe como o baka fez, especialmente porque teve muito pouco tempo para planejar tudo, mas sua fuga foi perfeita. Tão perfeita quanto a do meu pai. Eles ainda estão procurando por vestígios dele, mas duvido que vão encontrar algum. Romeo é esperto.

Todas as lágrimas que choreiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora