Isabela

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Meus olhos se arregalam. Minha boca seca. Minhas mãos ficam pegajosas e minhas pernas mais parecem duas gelatinas. Agora eu detesto gelatina. Essa é a única coisa concreta em que consigo pensar antes de me tornar uma confusão de sentimentos bons e ruins, todos lutando por uma morada dentro de mim. Incredulidade, saudade, surpresa, felicidade, expectativa, ansiedade...

Mágoa.

Tanta mágoa.

— Bem em tempo — sussurro comigo mesma assistindo o homem que também deveria odiar gelatina digitando uma mensagem no celular enquanto caminha até o balcão de maneira distraída, porém muito imponente. Sua maneira de sempre. Está irritado. Parece casado. Parece triste. Precisa fazer a barba. Está muito atraente. Ele continua sendo o homem mais atraente em que coloquei meus olhos. Por que ele tinha que ser tão gostoso? Por que tinha que reaparecer todo de preto e desfilar na minha frente com essa cara de mal?

Kuso. Eu ainda amo a pintinha na bochecha dele.

Tum-tum.

Tum-tum.

Tum-tum.

Nem vem coração, eu não permito, penso reparando em cada detalhe do maldito. Em seus coturnos. Nos jeans rasgados. Na blusa por baixo da jaqueta de couro. Na mochila preta em seu ombro. Nos óculos escuros estilo aviador que cobrem seu rosto. O que é essa blusa de cola rolê? O que é esse visual intimidador e perigoso? Ele não levou nada dessas coisas de casa. É tudo novo. E de bom gosto. Foi para o shopping, benzinho? Não o vejo a tanto tempo. Nem me lembrava mais que Romeo era tão grande. Tão forte.

Está tão distraído que ainda não ergueu os olhos da tela do celular. Está tão, tão perto de mim. Será que daqui eu acerto o porta-guardanapo nele para matar? E se eu acertar, será que meu advogado consegue me salvar? Tipo alegar insanidade mental e coisa e tal? Inacreditável, ele ainda dispara o meu coração.

Eu estava perto de pedir perdão aos deuses pelas afrontas de hoje. Tão perto.

Eles me proporcionaram o troco na vez do Murilo. Ter dado a famosa volta por cima, reencontrando meu ex-namorado estando bonita, gostosa, bem arrumada e esbanjando felicidade foi muito gratificante. Penso eu que a cereja do bolo foi estar com um homem mil vezes mais gostoso para esfregar na cara achatada dele. Bem adolescente. Tô ligada. Tô ligada e não posso fazer nada. Eu tenho orgulho. E verdade seja dita, nenhuma mulher gostaria de reencontrar um homem que a machadou estando na pior. Eu preferia um reencontro saudável dessa vez. Estou mais madura. Bom, realista eu sempre fui. Por Buda, onde eu encontraria um homem mais gostoso do que o Romeo? Eles não dão em árvores.

Eu sabia que tinham boas chances de eu me sentir um carrapato quando nos reencontrássemos. E tudo bem, eu estava preparada para isso. Mas eu queria, no mínimo, ter me vestido melhor para a ocasião. Estou por fora como me sinto por dentro. Uma grande merda. Fora essa cara achatada de sofrida, combinei uma pantalona com um furinho na bunda, com um moletom que era dele. EU TÔ COM UM MOLETOM QUE ERA DELE! Me imagine gritando isso com muita revolta aos quatro ventos para ensurdecer todos os deuses do universo. No momento, quero que um buraco se abra no chão para que eu pule dentro. Posso sair sorrateiramente. Posso me esconder no banheiro. Posso... Espera um instantinho aí. Ele me abandonou. Esse lazarento me abandonou!

Eu poderia estar pelada!

Não devo absolutamente nada para ele. Fora isso, Romeo vai morrer. Eu mesma vou matar. Ele nem vai ter tempo de registrar que em seus momentos finais, me viu de Havaianas. Penso em levantar para acertar as contas. Em agarrar nas lapelas da sua jaqueta sexy e chacoalhar, perguntando onde se meteu quando eu mais precisei dele. É o que eu faria. Isso se tivesse certeza absoluta de que não cairia no choro durante o processo. Eu não tenho. Hoje, eu não tenho. Hoje, eu posso chorar. Hoje eu posso contar sobre a gelatina. Dá para me culpar? Estou mais sentimental. Esse é só mais um dos efeitos desagradáveis de ter achado que enterraria o pai dele nos meus dias sagrados. Ele sabe?

Sabe sobre a queda?

Sabe sobre meus dias sagrados?

Reparo na capinha de couro caramelo do celular. É igual à do meu gifu. Meu peito aperta de maneira brutal.

Seu maldito, se você ficou sabendo o que aconteceu em novembro e nem assim voltou para segurar na minha mão, eu nunca vou conseguir te perdoar...

Ele escolhe esse momento para guardar o celular, reparar que não tem ninguém esperando a boa vontade dele atrás do balcão e empurrar os óculos escuro para o alto da cabeça.

— Tem alguém aí? — Pergunta fazendo sua voz reverberar dentro da cafeteria. E de mim. Ela ainda é firme. Ela ainda é sexy. Ela é doce. Ela ainda mexe muito comigo.

Ela ainda é a voz mais linda do mundo.

Maravilha.

E agora? Eu o abordo ou continuo quieta na minha esperando que não me veja? Saio correndo só para garantir que não vai me ver mesmo? Seria muita covardia da minha parte se eu corresse? Não. É claro que não. Meu receio de esse reencontro pode terminar é completamente compreensível.

Estou vulnerável.

Tão vulnerável e com tanto medo de ser pega tentando escapar de fininho, que acabo ficando no lugar.

Bells sai da cozinha e congela na porta, interrompendo sua cantoria quando coloca os olhos nele. Ela entendeu o suficiente desde que eu passei a aparecer sozinha com cara de cachorrinho para saber que precisa se preocupar comigo. Preferia que tivesse reagido normalmente para não me entregar? Preferia, mas não posso ficar chateada por ter olhado diretamente para mim. Ela só quis conferir se estou bem. Pena que sua gentileza roubou a escolha das minhas mãos. Romeo ficou curioso, olhou por cima do ombro e me encontrou. Seus olhos verdes acabaram de parar nos meus.

Acabaram de resfriar meu sangue.

Acabaram de alterar minha pressão.

Acabaram de descompassar de vez, com o meu pobre e tão machucado, coração.

Todas as lágrimas que choreiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora