Capítulo sem título 24

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Destruído estou eu! Sabe quantos banheiros eu lavei?

Eu adoraria ter continuado indiferente quando ao tal assunto. Mas consegui? Não consegui. Culpemos quem? Dessa vez culpemos o Leonardo. Primeiro porque se a culpa é minha eu tenho o direito de colocá-la em quem eu bem entender e segundo porque encontrei o carro dele estacionado em frente à mansão quando cheguei do hospital. Nada mudou no quadro do meu pai e não é segredo para ninguém que nada de bom vai sair do meu encontro com o filho preferido dele. Leonardo não vai me perguntar por onde estive, se me diverti ou quantas gurias fodi. Não dessa vez.

Matar um pouco de tempo pareceu uma ideia melhor do que matar o meu irmão na porrada. Não tinha razão para eu acabar com os nós dos meus dedos se poderia enrolar saindo para comprar um café. Isso foi culpa da Bruna. Ela me deixou com vontade de matar a saudade do café de baunilha da Love Coffee.

Bato a porta de casa com toda a birra que cabe em mim. É muita.

Por que sempre temos ideias melhores para resolver as coisas depois que fodemos com tudo? Estou até agora me perguntando porque não me esgueirei pelos arbustos e me enfiei na estufa até o que gatão fosse embora. Isso teria dado conta do problema.

Falando em problema...

Entro no carro remoendo o fato de que a ideia era ter saído da cidade sem cruzar com aquele que abandonei aqui há alguns meses. Eu teria conseguido se a mãe do destino não se vendesse na zona. POQUE ELA SE VENDE NA ZONA! Esse filho da puta só pode ter alguma coisa contra mim. Não é possível. Ele não esperou nem um dia para me colocar de frente para a Isabela. Nem um único dia! Minha falta de sorte não me surpreende em nada. É nisso que dá embuchar o próprio trevo de quatro folhas. É no que dá trair e abandonar a própria gatinha buchuda que acena. Sabe do que eu estou falando? Da Maneki Neko? É o mesmo resultado de enfiar um pé de coelho no cu. Dá azar. Foi Deus. Isso sim! O que eu falei sobre a minha segunda certeza também cair por terra? O que eu falei sobre esse homem nunca me escutar?

Eu reagi por instinto. Fugi o mais rápido que pude para o mais longe dela possível. De novo.

Pela primeira vez, não pulei o muro da mansão. Eu disse não pularia, pelo menos alguma coisa tenho que manter. Preciso me sentir no controle de alguma maneira. Não suporto essa sensação de que o controle está escorrendo nas minhas mãos como se fosse feito de areia. Fora que eu também não queria derramar o meu café. Ele me custou muito caro e aqui não me refiro aos poucos trocados que tirei da carteira.

Fiquei com muita raiva do meu irmão por ter me obrigado a enfrentar a mágoa no olhar dela. Tudo porque precisa cumprir a agenda de trabalho do papai. Eu acho. Eu acho que deve ter passado em casa para pegar sua pasta de trabalho porque não encontrei o notebook do velho em lugar nenhum. E olha que eu procurei. Ele também deve ter limpado o sangue da cozinha porque o chão estava limpo.

Mesmo sabendo o quanto seria difícil encontrar ingredientes saudáveis na geladeira de um homem que não está nem aí para o próprio colesterol, larguei a mochila em meu antigo quarto e voltei para a cozinha brilhando de tão limpa a fim de preparar algo para comer. Depois fui procurar mais coisas para fazer. Fiz de tudo para esquecer aquele encontro. Até enfiei a cabeça no forno. Não só enfiei como constatei que ele não era limpo há mais tempo do que eu gostaria. Só falou mesmo ligar o gás. Por que eu não liguei a porra do gás?

Estava cansado depois passar uma noite em claro e um dia inteiro chorando copiosamente sentado na poltrona daquele quarto de UTI, mas não o suficiente para apagar. Deitar na cama à espera do sono sempre foi demasiadamente torturante para mim. É pior agora. Não é mais apenas uma japonesa que me visita. São duas.

Meus piores pensamentos não podem me ver parado que aparecem para me atormentar. Preciso me ocupar. Muito. Nossa mansão é o paraíso para pessoas como eu, uma propriedade tão grande que sempre tem alguma coisa para fazer. Eu me exauri ao máximo antes de subir para cama.

E lamentavelmente, dessa vez não adiantou.

Depois que tomei um banho quente e de abri as portas da sacada para deixar o perfume das rosas entrar não fiz outra coisa além de pensar no que estava tentando ignorar. Nela. Tomei metade da garrafa que roubei do bar escorando no batente pensando nela. Incomodado. Incomodado para caralho. O pior é que nem era mais com o telefone que podia tocar a qualquer momento com a notícia de que eu fiquei sem pai. Era com outra coisa.

Isabela, Isabela...

Ela foi meu último pensamento antes de dormir e meu primeiro pensamento ao acordar. Foi quando entendi que não conseguiria ignorar o que tinha acontecido na Love Coffee. Não que isso tenha me impedido de tentar. Eu sou teimoso. Te contei que lavei os banheiros da mansão? E que cortei a grama também? E que continuei tentando me exaurindo por mais três longos dias? Eu até descongelei a geladeira. E para que?

Essa porra de incomodo não parou de aumentar.

O que custava Isabela ter levantado para sair toda emburrada e ter me mostrado sua barriga chapada? Não consigo parar de remoer o fato de que estava usando um dos meus moletons e que tirando a psicopatia embutida nisso era um daqueles que não tem zíper e estava super folgado nela. De qualquer maneira eu não teria conseguido ver nada porque sua barriga passou o tempo todo escondida embaixo da mesa.

Eu sei como está sua barriga.

Eu sei o que aconteceu com o bebê.

Eu conheço o corpo da mulher que eu amei.

É por isso que estou estacionando na rua lateral a joalheria. Para confirmar minhas certezas. E porque não achei uma prova concreta em outro lugar. Não foi por falta de procurar viu?

Esse era momento em que eu deveria entrar no prédio e tocar a campainha do apartamento dela. Mas para que? Para que se tem uma maneira mais fácil de conferir que continua mais magra que um palito de churrasco sem precisar passar por uma sessão de tortura em forma de conversa? E não é batendo papo com alguém da minha família. Isso me pouparia tempo, mas além de ser do tipo que precisa ver para crer, prefiro continuar me mantendo longe de bocas não estejam sedadas. Estou querendo enganar a quem? Estando preso aqui o que não me falta é tempo para matar. Eu até curto tocaias. Tem certa adrenalina nelas.

Ergo o punho para conferir o relógio.

Falta meia hora para a japonesa bater o ponto.

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⏰ Última atualização: May 18, 2022 ⏰

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