Romeo

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Morto.

É bom que esteja morto.

Espero que esteja mais duro que um picolé porque se aquele homem lunático me fez voar de besta por uma companhia aérea um dia depois daquele aéreo que está em todas as manchetes de jornais eu juro por tudo que é mais sagrado que não respondo por mim. Em uma gaveta. É onde eu quero encontra-lo quando eu chegar.

Se eu chegar, né?

Me arrependi de ter dado uma olhada nas notícias do dia para me distrair enquanto esperava pelo embarque. Mas o que mais eu poderia ter feito? Fiquei horas andando de um lado para o outro do aeroporto feito um idiota. Muito tempo livre para minha mente me massacrar. Todas diziam que a culpa foi do piloto. Foda. É por essas e outras que só fico tranquilo durante um voo se estiver com o piloto particular da minha família. Eu ainda tenho uma família? Não sei, mas não teria como ser diferente. 

Mesmo depois de sete anos, minha cunhada continua achando que meu irmão é o príncipe encantado. Tem ideia do que é preciso para enganar alguém com a inteligência dela por tanto tempo? Do que é preciso para ser um mentiroso tão habilidoso? Eu não confio nele porque o amo. Eu confio nele porque meu irmão tem um dom. Ele é racional. É frio. É calculista. Está sempre em alerta. É alguém que nunca cometeria uma falha humana como aquela que causou o acidente que minha ex-namorada vai usar para aplacar sua dor daqui a pouco. Ela tem o costume de ouvir as notícias do dia enquanto varre o apê de manhã.

Estou com o olhar perdido nas nuvens através da janela da aeronave, inclusive, acho que estou vendo um elefante, mas dentro dos meus pensamentos continuo assistindo a cabrita chorar pela dor das famílias dos pilotos que morreram nesse acidente para não chorar pela família que nós dois não construímos. Pelo bebê que nós perdemos. Espero que o advogado tenha ficado para passar a noite. Espero que a escute, que se levante da cama que compartilhávamos, que saia pelo corredor atrás dela e que quando a encontre a gire pela cintura e a deixe chorar escondida pela morte do nosso bebê no peito dele. Espero que seja esse tipo de cara.

Um cara diferente de mim.

Estou pensando nela. Mais uma vez. Porra. PORRA! Dessa vez é culpa do meu pai. É tudo culpa do meu pai. Sempre foi, desde o começo.

Esse homem não me ama? Não se importa comigo? Foi para isso que me adotou? Para me fazer abandonar gurias bonitas na cama? Para me fazer faltar no trabalho? Para judiar de mim? Para me fazer sofrer? Eu tenho sentimentos, poxa! Pode não parecer, mas sou cheio deles. Não bastava eu saber que vou chegar ao aeroporto sem ninguém para me receber? Mais uma vez. MAIS UMA VEZ! Estou viajando pela Latam. PELA LATAM! Nada contra a Latam. Meu problema abrange todas as companhias aéreas. Não há exceções.

Nunca foi incomum que meu irmão estivesse muito ocupado mentindo para noiva para me levar em uma viagem de negócios. Ops! Eu quis dizer viajando pela empresa. Por Deus, estou muito amargo hoje! Nem eu estou me aguentando. E não é para menos, não é?! Eu estava quietinho na minha cama com uma guria carinhosa que anda fazendo de tudo para me agradar. E agora estou aqui voando por uma companhia aérea. POR UMA COMPANHIA AÉREA.

Para resumir, por culpa do Gael, eu fui obrigado a criar o meu próprio ritual para enfrentar por um voo comercial sem enlouquecer. Ele consiste em dois passos simples. Primeiro: passar a pior parte do voo (mais conhecida como a decolagem) de olhos bem fechados. Rezando? Não. É claro que não! Listando todas as cagadas que o piloto da companhia aérea em questão poderia fazer para me matar antes da hora. Nada contra a ideia. Ela até me agrada. O que não me agrada é como o homem lunático se sentiria se eu explodisse pelos ares.

Sou da opinião que todo pai merece o corpo do filho para velar, enterrar e ter onde chorar.

Já o segundo passo é mais simples e consiste em me distrair dessa lista pelo restante do voo com a ajuda de alguém. Já fodeu em um banheiro de avião? É minúsculo. Para alguém do meu porte físico é sempre uma foda desconfortável contra a porta, mas para quem faz qualquer coisa para se distrair quando precisa, não chega nem perto de ser o fim de mundo. Nunca foi complicado encontrar uma alma generosa disposta a me ajudar. Hoje não foi diferente. Na realidade? Foi. Foi sim. Hoje meu pai não está merecendo nada. Nem meu corpo gostoso intacto, nem minha consideração.

Estou tão, mas tão puto que passei a decolagem pouco me fodendo para as cagadas que o piloto poderia fazer. Dessa vez, quando fechei os olhos, eu rezei. Eu rezei com muito fervor. Se é que tentar corromper Deus, pode ser chamado de rezar.

O que são míseros dois acidentes aéreos em questão de horas? Já aconteceram desastres maiores. Lembra dos dinossauros? Imaginei um diálogo mais ou menos assim. Mas tem criancinhas aqui, Romeo. Eu não ligo. Não liguei para minha, vou ligar para as dos outros? Foda-se as criancinhas. Explode logo essa porra!

Não sei porque ainda me dou ao trabalho de implorar pela misericórdia de Deus.

— Não resolve — ralho comigo mesmo quanto pousamos.

Pego minha mochila e disparo em uma corrida para fora da aeronave antes dos outros. Em instantes estou pisando em território paulista. Inteiro, inconformado e sem ter toado em um fio de cabelo ruivo da comissaria de bordo gostosinha que não parou de me perguntar se eu queria alguma coisa. Tirando que parasse de interromper minha conversa inocente com o homem que nunca me escuta? Eu não queria nada. Talvez um pai menos filho da puta. Perdoa vó. Não estou no meu melhor momento.

Depois daquela camisinha furada cheguei à conclusão de que o inferno é pouco para o que eu fiz. Deus me quer aqui, pagando pelo meu pecado em vida onde dói mais. Não tiro a razão dele. Por que fui abrir minha boca? O que eu tinha que desafiar o destino falando que nada nesse mundo me faria pisar aqui de novo? Foi pedir para se foder.

E nem deus afunda esse navio...

Percebeu que toda vez que eu uso uma frase similar a essa, retirada do meu filme dramático favorito, eu tomo no meio do meu cu? EU TOMO NO MEIO DO MEU CU.

Não paro de correr.

Não posso parar.

Desvio das pessoas que cruzaram meu caminho até chegar na rua. Está chovendo. Não é uma maravilha? Só chove nesse caralho de cidade!

E agora, onde eu acho uma porra taxi...?

Todas as lágrimas que choreiTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon