Isabela

9.2K 860 354
                                    


Ele não expressa nada e não demora nem um instante a interromper nossa conexão abaixando o olhar de maneira lenta e irritantemente casual até a estampa em meus seios. Eu poderia ter gritado que achado não é roubado, mas ter reparado que estou usando algo dele e estar fazendo questão de me mostrar isso com tanta arrogância é completamente irrelevante. Doí, é claro, humilha, mas tudo que eu consigo fazer nesse momento é implorar de maneira silenciosa e sofrida para que abaixe mais o olhar.

Faz isso por mim.

Por favor, Romeo, abaixa mais o olhar.

Se interesse em saber.

Ele se interessa? Ele desvia seus olhos verdes e indiferentes de volta para a Bells, como se tivesse acabado de conferir uma cliente qualquer dentro de um moletom legal. Depois ainda tem a cara de pau de franzir as sobrancelhas de modo questionar quando a Bells não reage.

— Você vai me atender? — Ela tira seus olhos de mim e o encara.

— É claro — responde se obrigando a abrir um sorriso profissional. — O que deseja? — Mulheres unidas. Bells é fria de tudo, mas o baka está pouco se fodendo para isso.

— O mesmo café de baunilha que você vendia para minha antiga secretária. — E tome na minha cara. Eu fui só isso? Uma das suas secretárias? O cu dele.

Romeo decidiu agir como se nunca tivesse gozado dentro de mim dizendo que me amava. Ok. Eu o imito? Empino o nariz e volto para o meu desenho como se nada tivesse acontecido? Como se não tivéssemos nos apaixonado e divido uma vida? Literalmente. Como se eu não tivesse engravidado dele? Como nunca tivesse me largado e não tivéssemos um belo assunto inacabado? É claro que não. Eu tenho memória. Estou com meu sangue asiático borbulhando. Largo o lápis e recosto na cadeira puxando o porta-guardanapo para mais perto. Fico fazendo carinho nele sem desviar meus olhos do Romeo.

Sem parar de assistir seu descaramento.

Sem parar de remoer meu inconformismo.

Sem parar de pensar em como lido com isso.

Sem parar de tentar me tranquilizar.

Seja zen, digo a mim mesma.

Seja zen.

Passei muito tempo sonhando acordada com esse momento. Muito mesmo. Metade de mim queria que nosso reencontro fosse banhando em sangue. No dele, claro. Essa metade ainda está doidinha para gastar o réu primário. Ela não é zen. Já para a outra metade nunca importou como aconteceria, se seria de noite ou de dia, na chuva ou no meio da rua, se seria maio, junho ou setembro, se seria em um aniversário ou casamento, se seria um encontro arranjado por alguém ou aconteceria quando menos esperássemos, em um momento como esse, planejado e executado pelo destino. Essa metade sempre achou que seria sublime. Que teriam fogos de artifício, joelhos prostrados ao chão e um belíssimo pedido de perdão. Olhem só. Só tem mesmo decepção, essa que estou engolindo com a ajuda do chá.

Essa metade deveria parar de assistir desenhos com a Robie.

Para resumir? Nenhuma parte de mim está feliz.

Não tiro os olhos dele enquanto paga pelo café em dinheiro. Nem quando caminha até o canto do balcão abrindo a tampa do copo. Muito menos quando traz a mochila para frente do corpo, tira um cantil de metal de dentro dela e despeja seu conteúdo dentro do café. Não precisa ser um gênio como o irmão mais iludido dele para saber do que se trata. Nunca gostei de assistir a isso. Ele sabia disso e não batizava mais seus cafés na minha frente, mas agora está me mostrando que claramente não se importa mais com isso, com o que eu penso ou sinto. Não era necessário, eu soube disso quando me largou e nunca ligou.

Romeo nem me olha mais.

Não me olha em momento algum.

Simplesmente termina o que está fazendo e guarda o cantil. Depois, torna a abaixar os óculos para cobrir o rosto e saí da cafeteria sem olhar para trás.

"Se um dia, eu dobrar uma esquina e der de cara com você empurrando um carrinho de bebê ao meu encontro, eu vou olhar em frente e fingir que não te reconheci. Agora acho que fui claro o suficiente.

Para mim, o fim é aqui."

Romeo vai rumo ao escritório de advocacia do antigo melhor amigo. Um caminho pouco mais longo, mas bem mais silencioso e florido até a mansão. É para onde está indo? Para a mansão? Eu o acompanho pelo vidro até perdê-lo de vista. Quando acontece, eu me sinto muito perdida.

Eu quero gritar.

Eu quero chorar.

Eu quero levantar da mesa e sair correndo atrás dele para me ajoelhar.

Preciso me segurar na cadeira para não fazer nada disso. Para não implorar.

Me concentro apenas em respirar fundo até me acalmar.

Alucinei? Alucinei com a cena toda?

É no que eu acreditaria se a Bells não estivesse me olhando com cara de culpa de trás do balcão.

— Ele ainda não tinha te visto. — Nego. — Me perdoa por te entregar? Eu sinto muito, Japa.

— Não se preocupe. — Entreabro um sorriso fazendo com que desmorone de alívio. — Esse encontro era para acontecer. — Eu acredito mesmo nisso porque como eu disse, os deuses tem tudo escrito. E saber disso, continua não me reconfortando em nada. De chinelo. Eu estava de chinelo, meu Buda!

E se quis dar uma de superior? E se não quis se entregar? E se estiver atrás de um tronco de árvore apenas me esperando sair para poder dar uma conferida no meu corpo sem eu ver?

É impossível que não queira saber.

Meu formigamento na calcinha acha que vale a pena conferir.

Pego minhas coisas, tranquilizo a dona da cafetaria com mais um sorriso e saio do seu estabelecimento sentindo o vento açoitar meu rosto. Paro no meio da calçada quando meu celular vibra no bolso.

— Terminei o que eu tinha para fazer. — É o Leo. — Já quer ir embora?

— Já sim.

— Te pego em cinco minutos. — Precisei de menos do que isso para conferir os quatro cantos do cruzamento. Cada árvore. Cada poste. Cada porta de estabelecimento.

Deu tempo até de voltar para dentro da cafeteria para pegar um punhado dos bolinhos de chuva que o Leo tanto ama para agradecê-lo por brincar de motorista particular para mim. O irmão dele não ficou.

Romeo não ficou.

Todas as lágrimas que choreiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora