Ele

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_Capítulo sem revisão. 

Perdi a conta de quantas vezes atravessei a BR-116 na corrida depois de passar raspando por aquele caminhão. Demorei um bom tempo entrando e saindo da mata para reunir uma quantidade razoável de pedras. Uma que me permitisse dormir a noite porque satisfeito que eu jamais ficaria. Não a menos que conseguisse reunir todas as pedras do mundo para nunca mais precisar imaginar um inocente pagando pelos pecados que eu cometi. Eu sou o único pecador aqui.

Termino de organizá-las aos pés das estatuas em duas pilhas e dou um passo para trás para admirar como ficou. Perfeito!

— Melhor sobrar do que faltar. — Bato as mãos uma na outra, me livrando na terra impregnada nelas e dou as costas para as estatuas me obrigando a não olhar para trás. Isso é tudo que tenho feito desde que parti. Especialmente quando um telefone me encara e pisca para mim. Acontece tanto!

Isso que acabei de fazer não fez com que eu me sentisse melhor pelo bebê da Isabela. Nada teria esse poder. Estar ausente quando o perdeu é um remorso com o qual eu vou precisar conviver pelo restante da minha vida. E tudo bem. Estou bem com isso. Podia ser pior. Podia ser muito pior.

Eu podia ter me traído. Eu podia ter ficado. Nunca teria.

Também não quero mais ficar aqui.

Eu tomei uma decisão e preciso arcar com as consequências dela. Eu arco com essas consequências todos os minutos de todos os meus dias. Em alguns é mais difícil, como nesse.

Mas eu não paro. Não hesito. Eu sigo em frente porque é isso que eu sei fazer.

É o que eu sempre fiz.

Fingir.

Eu finjo que não sou um pedaço de remorso que respira.

Esfrego os olhos e volto para a estrada pisando fundo em um carro que não tenho permissão para ter. Nem do retrovidor eu olho. Nem com a opinião do meu pai a respeito do que estou fazendo eu me importo. Uma prova?

Ele nos pediu para fazer uma escolha quanndo atingimos a maioridade, nos manter longe da imprensa e viver de maneira "humilde" para quatro herdeiros milinários ou andar com escolta armada. Diga-me, quais as chances das nossas babás de terno não serem compradas para informar todos os nossos passos ao velho? Era pedir para se foder. E se quer saber, nem era uma escolha de verdade.

Já nos bastava o quanto a babá que veio armada apenas com uma chinela velha fazia estrago com sua lingua afiada. Fora que ninguém queria ser deserdado caso papai descobrisse algum dos podres que guardamos a sete chaves e tem dois de nós que nem podem sair na mídia. Os outros dois sabiam disso. Respeitam isso. Tem quem pense que gastar demais com um bem material é desnecessário e quem pense que as regras do carro é injusta. Sabe o que é injusto de verdade? Ela não valer para o homem que não nos quer ostentando demais por aí, mas tem na garagem uma SUV tida como uma das mais caras do mundo. Põe milhão aí. Não tem negócio, papai não nos permite gastar mais do que alguns trocados com um único carro, contando com a blindagem, que logicamente é obrigatória.

Eu acho que no fundo o velho tem apenas medo do que não podemos fazer quando não está olhando e usa o perigo de ser quem somos para nos limitar. Ele disse que vai ficar flexível quando passarmos dos 35, casarmos e lhe darmos alguns... ah, vocês sabem.

Eu não o julgo por isso.

Eu faria o mesmo no lugar dele se fosse o pai de alguém, mas eu não sou. Não mais. Tudo bem dar o jatinho na mão do Gael, Gael é confiável, mas papai não gosta de dar nem o cortador de grama na mão do Leonardo. Dá última vez, ele quase passou por cima da Bruna. Não que eu fosse ligar muito se isso especificamente acontecesse. Enfim. Ele é imprudente e não precisa de um brinquedo potente para fazer ninguém chorar. Bah! O roto falando do esfarrapado. Não que eu seja mais confiável. Sou apenas mais apenas mais responsável.

Não nesse momento, mas eu sou.

E daí?

Quem vai saber que estou quebrando todas as regras do meu pai enquanto bato 200 km/h em um carro que vale muito mais do que o permitido? Não é segredo que o homem que nos adotou sempre controlou todos os nossos passos, mas agora ninguém mais controla os meus. Embora eu esteja sendo arrogante, não passa da verdade. Ninguém vai saber.

Eu sou livre.

Pela primeira vez, em muito tempo, eu sou livre de novo.

Só que dessa vez, eu sou mais velho, sou gostoso e sou rico.

Não sou mais um menino de catorze anos arrasado e assustado. Não preciso mais dormir as baratas. Não preciso mais roubar.

Já assistiram esqueceram de mim? Estou me sentindo como aquele garoto. Eu posso ser e fazer o que eu quiser. Eu posso ter quem eu quiser. Eu posso fazer o que eu quiser.

Na minha vida.

No meu bolso.

Na minha cama.

Eu só não posso escolher se penso nela. E no nenê dela. Minha mente eu não posso controlar. Piso mais fundo quando penso que a garota que eu abandonei provavelmente não teria entendido a referência. 220 km/h. Piso mais fundo quando penso que a garota que eu abandonei nem deve nem saber quem é a porra do Macaulay Culkin. 260 km/h. Piso mais fundo quando penso no sangue escorrendo pelas pernas que eu tanto amava e no olhar assustado que deve ter estampado seu rosto quando entendeu o que estava acontecendo. 300 km/h. Piso mais fundo quando sinto, dentro de mim, a solidão que teve ter sentido por eu não ter me feito presente para segurar a sua mão, para afagar os seus cabelos, para mentir no seu ouvido que a dor que estava arrombando seu peito iria passar. 340 km/h. Piso no acelerador o máximo que posso, me afastando um pouco mais dela e do nosso passado a cada quilometro rodado.

Ansioso para me distrair.

Ansioso para esquecer.

Muito ansioso para sair completamente do nosso passado e entrar no meu presente.

Falando nisso, estou atrasado para caralho para voltar para minha nova vida.

 Uma vida onde ela não existe.

Uma vida só minha.



************

Pensei em dar uma provinha para vocês, pelo dia das mães. Ele me deixou boazinha. Com tudo que vivi e tenho vivido e tal. 

Vai ser só uma degustação tá?

Mas e aí, querem uma provinha da vida do Romeo? 


Bjs.

Raiza.


Todas as lágrimas que choreiWhere stories live. Discover now