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(Bônus: capítulo com trilha sonora para acompanhar. Wardruna! Para quem não conhece, recomendo fortemente uma busca no YouTube).

Ao cair da noite e principalmente durante o jantar, todos comentavam sobre a chegada daquele guerreiro. Para os jovens que treinavam ali em busca do símbolo máximo da ordem, o bracelete prateado da academia de Benvähn, conhecer o guerreiro de quem tanto ouviram falar era mais do que uma honra. Era algo que guardariam consigo.

Entre os feitos de Gavril espalhados por bardos através do centro-leste incluíam a capacidade de voar, o conhecimento das cores de diversos ventos mágicos, ter domado um wyvern nas planícies do norte e a vitória contra um temível minotauro que assolava o nordeste da Floresta Vermelha. Dependendo do nível de álcool no sangue do bardo, as histórias podiam ser maiores ou mais impressionantes, contudo nenhuma delas narrava o motivo para Gavril ser tão respeitado por até mesmo por seus mentores, afinal o jovem nem mesmo havia concluído os níveis mais avançados da ordem, coisa que os dois irmãos reservavam apenas à raros pupilos e tal honraria havia sido dispensada pelo espadachim de olhos dourados.

As memórias dos irmãos que comandavam o local viajavam até anos atrás, quando Gavril havia acabado de dar por concluído a maior parte de seu treinamento e acompanhou Karl e outros jovens guerreiros a uma missão diplomática para apaziguar uma disputa entre dois vilarejos nas montanhas. Brigas entre líderes locais por terras ou objetos mágicos encontrados em masmorras subterrâneas eram mais do que comuns, assim como brigas e disputas por animais particularmente atrevidos que insistiam em viajar para vilarejos vizinhos e procriar no local.

Essa viagem, contudo, marcou a vida de Gavril e seu mestre. Não era apenas uma disputa entre chefes de vilarejo, nem mesmo o ataque de algum monstro particularmente poderoso. Ao chegarem no local onde haviam sido chamados, o grupo de espadachins foi emboscado por um grupo de demônios dotados de invisibilidade. Sem muito esforço, as criaturas levaram a óbito os espadachins mais novos e inexperientes. Apenas Gavril e Karl foram capazes de permanecer lutando, cercados de cadáveres de seus amigos que se amontoavam em posições retorcidas dentro de poças de sangue.

Os demônios invisíveis concentraram seus esforços em Gavril, separando os dois para que Karl enfrentasse sozinho o líder das criaturas invisíveis que era uma criatura obesa de mais de dois metros e de pele  azulada, com imensos olhos vítreo amarelados e caninos maiores do que espadas curtas. Pelos danos que ambos os guerreiros haviam sofrido, a derrota era o único caminho provável. 

Todavia, grandes guerreiros desafiam as probabilidades.

O líder das criaturas havia levado o idoso guerreiro aos joelhos com uma sequência de golpes utilizando uma monstruosa cimitarra que era empregada utilizando as duas mãos do monstro causando um efeito devastador. Karl foi capaz de aparar e esquivar da maior parte dos golpes, mas sentiu todo o impacto de um deles em seus ossos e foi arremessado contra o chão de joelhos, ficando à mercê do golpe final do demônio que liderava as criaturas. O monstruoso ser azulado ergueu uma de suas mãos acima da própria cabeça e a envolveu em um vento de tom grená enegrecido, violento, mortal.

Percebendo o que estava por vir pela posição do inimigo e dotado de um afiado instinto que é inerente aos guerreiros por vocação, Gavril lançou-se contra os demônios menores com ferocidade, abrindo caminho com sua espada em golpes que miravam o nada, atingindo criaturas que o guerreiro nem mesmo estava vendo. Saltou em direção ao seu mestre e recebeu o impacto direto da magia que o atingiria e sentiu sua vida esvair-se do corpo como um copo furado e incapaz de reter água. Reunindo o pouco que restava de forças, o guerreiro dos olhos dourados agarrou seu mestre, que era o mais próximo da figura paterna que jamais tivera e saltou no voo mais longo que já havia se arriscado, rezando aos Dez que São Um que seu dom de voar, que praticara desde a mais tenra idade, não o abandonasse naquele momento de tanta dificuldade. Era tudo que tinha disponível para sair dali com alguma chance de vida.

Em Thystium, a utilização das habilidades mágicas naturais consome a força vital de quem as emprega. Quanto mais se utiliza de tais poderes, mais debilitado se torna, podendo – e muitas vezes levando – à morte.

Dias depois, os dois foram encontrados por dois clérigos viajantes algumas dezenas de quilômetros distantes da emboscada e foram levados ao vilarejo mais próximo para que recebessem cuidados das mãos dos próprios servos dos deuses. Vivos, porém tremendamente debilitados, pois Karl havia utilizado sua própria energia vital para manter seu discípulo vivo, transferindo assim, parte de sua essência à Gavril, mantendo os dois vivos, mas perigosamente próximos da inanição mágica.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now