XXIII

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O final da jornada através da cratera os levou à entrada de uma construção que se espalhava por centenas de metros na horizontal, como se fosse uma grande muralha margeando uma das encostas da gigantesca cratera onde se encontravam. A edificação fora erguida com um material incomum: metal. De onde observavam, a construção não tinha frestas ou junções e era como se o metal fosse todo apenas uma peça, como a lâmina de uma faca. Não havia como estarem enganados, era ali que os Sabris estavam aprisionados.

A névoa ficara para trás e o chão ali era repleto de pedrinhas pontiagudas que teimavam em perfurar botas, causando irritação a cada passo. A sensação de estarem sendo observados continuava forte e era difícil evitar olhadelas por cima dos ombros à medida que avançavam.

– Não existem mais estrelas nos céus, vocês repararam? – perguntou Flayfh olhando e apontando para o alto. – Ainda estamos em Thystium?

– Realmente, acho que nunca vi um céu sem estrela nenhuma. – respondeu o anão. – Não sei dizer se deixamos Thystium, mas deve ser o motivo pelo qual nossas preces não funcionam com a força que deveriam.

O farfalhar de diversas asas abafou o som da conversa. O céu noturno e mal iluminado do topo da cratera escureceu de vez com a chegada de uma revoada de Wyverns. A luz da lua desapareceu e por alguns instantes e o grupo ficou imerso em uma escuridão completa.

– A voz dos deuses não chega até aqui porque estamos nos territórios dos dragões. – sussurrou Gavril como se temesse suas próprias palavras. – E estamos prestes a ter uma conversa com os cães de guarda.

As criaturas pousaram ao redor do trio. Havia mais de trinta feras. Os lagartos de olhos vermelhos e pele escamosa verde-amarronzada encaravam fixamente cada um dos três dentro do círculo formado pelos animais que haviam pousado.

Udur esboçou alguma fala, mas foi silenciado pelo espadachim, que ergueu sua mão direita espalmada e depois a fechou.

Andando em passos lentos e curtos em direção ao maior dos Wyverns, que media cerca de nove metros, Gavril abriu os dois braços, mostrando-se desarmado. Concentrou o máximo de suas energias em seu olhar e encarou nos olhos aquele que parecia o líder do bando. Flayfh e Udur prenderam o ar, estavam cercados por mais de trinta criaturas vorazes e venenosas e os dois conheciam bem histórias sobre o apetite daqueles monstros.

Os segundos de tensão se desfizeram quando a fera abaixou sua enorme cabeça em direção à mão do espadachim em sinal de submissão. As lendas eram verdadeiras, Gavril era capaz de domar Wyverns.

- Impressionante! – disse Udur batendo palmas lentamente. – Você deve ter mesmo sangue de dragão. Nem mesmo os maiores domadores anões tentariam uma coisa destas!

Gavril acariciava a cabeça e o focinho do monstruoso carnívoro, sorrindo ante a brincadeira do anão.

– Ele tem razão. – disse Flayfh. – Você já foi atacado por alguma dessas criaturas? Ou por qualquer outro réptil?

– Não... – respondeu o espadachim com certo constrangimento.

– As lendas contam que os filhos de dragão Urototh, chamados Uromazar, eram respeitados por todas as feras criadas por seus pais. – disse o anão. – Não é gozação, os wyverns reconhecem sua autoridade. Isso pode servir como alguma vantagem ao entrarmos no local.

O trio deixou as feras para trás e adentrou na construção mais confiantes após evitarem uma batalha que seria sangrenta e possivelmente fatal. Um arco com runas em línguas antigas guardava a entrada. Nenhuma porta. Nenhuma armadilha. Nada.

A surpresa foi ainda maior quando um raio de luz passou por cada um deles, subindo e descendo por todo o corpo, sem causar dano algum. O corredor de metal era imenso e com nenhuma iluminação. Udur enxergava perfeitamente bem na escuridão total por ser um anão e por isso foi na frente. Flayfh e Gavril dividiam uma tocha que por sorte estava perdida entre os itens da bolsa que o guerreiro trazia.

Os corredores apresentavam sinais de ferrugem e muitos trechos gotejavam uma substância amarelada com cheiro forte. Marcas de garras podiam ser notadas em diversos pontos das paredes. Garras imensas e capazes de rasgar através do metal que revestia as paredes e nos pontos atingidos deixava exposta a rocha que rodeava o local.

A caminhada os levou até um saguão de proporções descomunais. Era impossível ver o seu fundo e o teto alcançava mais de cinquenta metros com facilidade. Nas paredes que circundavam o aposento estavam dispostas as centenas de Sabris aprisionados por correntes de cristal e com estacas mágicas presas em seus peitos. Todos adormecidos e inertes, as criaturas nem ao menos respiravam.

Flayfh se impressionou menos com a visão do que seus dois companheiros. Um lugar como aquele não poderia estar desguardado. A clériga estava certa mais uma vez, por isso perdeu menos tempo olhando para os prisioneiros do que avaliando o ambiente onde estavam.


Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now