XIII

42 9 11
                                    


Após discutirem por algumas horas, a clériga não permitiu que levassem o plano adiante, pois sabia que a espada era tentadora e poderosa, portanto era melhor evitar que Gavril fosse corrompido por ela.

A visão envolvendo o dragão e seu companheiro de viagem ainda estava viva e fresca em sua memória. Desse modo, os dois seguiram viagem até o vilarejo mais próximo, onde poderiam colocar as ideias em ordem e talvez até encontrar outro clérigo para pedir orientação. Com alguma sorte, as habilidades proféticas de Flayfh voltariam a funcionar.

As manchas que ambos traziam espalhavam-se com velocidade por seus corpos e, mesmo sem sofrer nenhum efeito negativo no momento, era cada vez mais preocupante a ideia de que poderiam ser dominados pelos Nyax dentro de poucos dias.

A dupla caminhava pelas planícies passando pela região das dunas salinas. Montes salgados e esbranquiçados cobriam a paisagem e tornavam o local seco, o que dificultava a respiração. Poucas criaturas viviam ali, e era improvável que algum vilarejo conseguisse se manter na região. Então, foram necessárias diversas horas de caminhada até vislumbrarem os primeiros casebres. Do alto de um pequeno monte, observavam a região e sentiam o peito arquejar pelo esforço de caminhar em ambiente tão salgado. As dunas de sal ao longe enganavam a visão, mas ambos tinham certeza de que havia um vilarejo ali.

- Você percebeu que nem eu nem você escolhemos esse caminho? - perguntou o espadachim. - Viemos parar aqui sem pensar muito no assunto.

- Sim. Eu já vi a espada fazer isso antes, achei que estivesse capaz de repelir. - respondeu ela. - Ela nos trouxe para cá, por algum motivo. E estamos prestes a descobrir.

Ao longe, um grupo de dez anões cavalgava seus monstros cinzentos em direção ao monte onde os dois se encontravam. Trajavam roupas elegantes e sua postura era altiva demais para serem camponeses ou mineradores, pensava Flayfh.

Gavril se pôs de pé e calculou os tipos de ataque que utilizaria contra cada um dos possíveis oponentes e suas montarias, monstruosas criaturas quadrúpedes sem olhos e com uma tromba espinhosa. Pela passada dos anões, cinco de dez eram guerreiros, porém todos estavam armados, donde o espadachim concluiu ser melhor evitar uma luta naquele momento.

Não demorou muito até que os anões os alcançassem e Flayfh pediu ao seu companheiro espadachim que não se precipitasse. Iriam manter a posição, estavam em uma elevação, o que daria vantagem em um eventual combate, e precisavam descobrir qual era a razão da aproximação. Anões não eram os mais sociáveis entre os povos, mas eram profundamente religiosos. A clériga imaginava então que a crença nos Dez que São Um criasse alguma sinergia entre eles.

- Humanos, somos uma caravana militar de Gamilsin. - disse o anão que tomara a dianteira. - Não temos nada contra vocês dois, portanto talvez possamos trocar informações.

Flayfh reconheceu a vestimenta daquele que falava. Sem sombra de dúvidas era um clérigo, mas entre humanos e anões os clérigos eram muito diferentes. A começar pela intolerância dos segundos com mulheres no papel. A clériga, sem ter a menor noção deste pormenor, deslizou alguns metros colina abaixo, aproximando-se do seu interlocutor. Foi seguida de perto por Gavril, que deixara a condução daquela conversa à cargo de sua companheira de viagem.

- Será um prazer colaborar com os senhores. - disse ela. - Estamos rumando para o vilarejo além desse monte, presumo que tenham vindo de lá.

Os anões entreolharam-se em silêncio.

- Viemos de lá. - respondeu o clérigo anão. - Qual era o interesse de vocês naquelas terras?

Gavril observava os anões com mais atenção que o recomendável para a etiqueta dos diminutos, barbudos e parrudos humanoides. Analisava suas armas e armaduras, mas também satisfazia sua curiosidade de nunca ter visto um. Eram consideravelmente maiores do que Gavril imaginava. Os menores naquele grupo possuíam cerca de um metro e cinquenta, tinham suas peles em um forte tom de cobre. Nenhuma outra raça era daquela cor. Outro ponto digno de nota eram as barbas: volumosas, bem cuidadas e em trançados variados, mas sempre muito escuras.

- Caso não se incomode, humana, preferimos falar com o homem que não para de nos encarar. - disse um dos anões com a voz grave. - Nada contra você, mas assuntos importantes são tratados entre machos. Nunca entendi como humanos podem permitir que uma fêmea seja clériga. Achei que tivessem aprendido.

O anão trazia um emblema em alto relevo no peitoral metálico de cor dourada que trajava e sua montaria era a única a utilizar armadura. A fala enrubesceu o rosto da clériga, que enraivecida preferiu não responder como gostaria. O que menos precisavam ali era de uma batalha contra inimigos bem armados.

- Pois bem. - disse Gavril. - Ela é mais do que capaz de lidar com essa conversa, mas como desejam falar comigo... Não posso deixar de perguntar. Vocês saíram de uma batalha faz poucas horas. Alguns entre vocês ainda estão feridos e as armaduras e roupas possuem respingo de sangue.

O clérigo que havia iniciado a conversa estava prestes a retomar sua fala e responder ao espadachim, mas foi repreendido pelo líder do grupo. Sua armadura de ouro branco era chamativa e, sobretudo, rara.

- Sou Kinnish, líder da expedição. - disse o anão com seu grave timbre de voz, descendo de sua montaria e dirigindo-se até o espadachim. - Viajávamos para encontrar outros dos nossos no vilarejo ao sul, mas não foi possível. Fomos atacados.

- Eu sou Gavril, espadachim de Benvähn e essa ao meu lado é Flayfh, serva dos deuses. O que atacou vocês?

- Podemos sentar e conversar de maneira civilizada ou discutirmos aqui no meio do nada como selvagens. - respondeu o anão com um tom agradável, coisa que ele não demonstrava ser dos mais adeptos, seguido de um sorriso sem mostrar os dentes - Vamos, meus homens precisam mesmo de um descanso.

- Isso vai ser para lá de emocionante... - Gavril sussurrou com o canto da boca para Flayfh, arrancando uma risadinha abafada da clériga.

O clima frio da região era temperado por uma suave neblina que sempre se acometia naquela parte do dia e o gosto de sal na boca feria aos lábios, nada que aquele grupo de viajantes composto de anões e humanos não estivesse acostumado. Viajar por Thystium era estar preparado para intempéries e todo tipo de incômodos, aquele seria apenas mais um.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now